Até setembro deste ano, Minas Gerais já registrou um total de 14.332 incêndios em vegetações por todo o estado. Esses incidentes aumentam de junho a novembro, período de seca que, neste ano, foi ainda mais severo. Em Lapinha da Serra, distrito de Santana do Riacho, situado na Região Central de Minas Gerais, os incêndios florestais são uma realidade cotidiana para a população. Isso porque a vegetação seca do cerrado cria na época das queimadas condições inevitáveis de baixa umidade e altas temperaturas propícias para o surgimento do fogo.
Nesse cenário, brigadistas locais desempenham um trabalho voluntário incansável para conter as chamas e realizar o rescaldo enquanto andam dezenas de quilômetros em meio a vegetação e o terreno irregular. A equipe de reportagem do
Estado de Minas acompanhou de perto o trabalho árduo da Brigada Florestal Voluntária Guardiões da Serra.
O dia começa quando um alerta de incêndio chega no grupo de WhatsApp dos brigadistas. Pela dificuldade de acesso do Corpo de Bombeiros e pelo extenso conhecimento do terreno acidentado, esses profissionais, treinados para atuação em situações de emergência como incêndios e desastres naturais, já são esperados para o controle das chamas que acontecem em Lapinha da Serra e região. O primeiro passo, e um dos mais essenciais, é vestir o Equipamento de Proteção Individual (EPIs) composto principalmente pela roupa resistente ao fogo de cores chamativas que facilita a identificação durante o trabalho.
Sempre em grupos de, no mínimo, três deles, os brigadistas da região precisam andar dezenas de quilômetros em condições adversas com o calor e a fuligem para chegar ao local atingido pelo fogo. O trabalho desgastante não acaba quando o primeiro incêndio é controlado, já que, normalmente, outros focos vão aparecendo ao longo do dia.
Durante os dias que a reportagem acompanhou os brigadistas, o trabalho se extendeu das 4h às 19h, e cerca de quatro incêndios precisaram ser controlados em um período de 24 horas. Além da atuação voluntária na brigada, os participantes atuam em outras profissões como forma de se sustentar.
Dias no combate às chamas
Junto com a possibilidade do surgimento de vários focos de incêndio ao mesmo tempo, o combate aos incêndios pode chegar a durar dias. A equipe do
Estado de Minas presenciou durante dois dias a
tentativa dos brigadistas de apagar um fogo que se alastrava dentro dos perímetros de uma fazenda e se aproximava de uma casa e um curral. Nessa ocorrência, a equipe se dividiu em três frentes para combater focos diferentes. Até chegarem onde as chamas estavam, os brigadistas tiveram que andar cerca de oito quilômetros.
“O início do combate foi na trilha para a travessia. Nós combatemos um fogo que estava na mata do terreno de uma fazenda. Ele saiu do pasto e foi para a mata e já estava avançando para a benfeitoria da fazenda, para a casa e para o curral. Lá tinha animais, e nós tivemos que tirá-los porque não tinha ninguém na casa. Com isso, defendemos o perímetro da casa e conseguimos debelar o incêndio que estava na mata”, relata Cristiano Reis, coordenador da Brigada Florestal Voluntária Guardiões da Serra
Até o momento, não é possível calcular qual foi a área atingida pelas chamas, uma vez que será preciso uma imagem aérea. Mesmo assim, os brigadistas afirmam que este foi o maior incêndio na região desde 2020.
Esperança nos mais jovens
A profissão de brigadista na região de Lapinha da Serra resiste com a chegada de voluntários jovens que vão perpetuando a técnica e o conhecimento necessário para a atuação em situações de incêndio. A Brigada Guardiões da Serra aposta nos novos voluntários para a manutenção da segurança do distrito e do entorno. Utilizando desde simples baldes d’água disponibilizados pela própria população até os equipamentos mais profissionais, como o soprador e o abafador, a experiência é necessária para uma atuação efetiva. A operação dos instrumentos obedece a um treinamento rígido, e as técnicas mais avançadas são reservadas para aqueles que dominam o ofício. É o caso de Cristiano Reis, brigadista experiente responsável por passar experiência para os novos brigadistas que chegam. Além do conhecimento, os combatentes passam de um para o outro o cuidado com a natureza da região como um incentivo para realizar o melhor trabalho possível.
Apoio da população é essencial
Colega da Brigada Florestal Voluntária Guardiões da Serra, a Brigada 1 atua há 20 anos também no combate aos incêndios. A ação da brigada é distribuída em sete núcleos em Minas Gerais (Belo Horizonte, Mateus Leme, Ouro Preto, São João del-Rei, Pará de Minas, Montes Claros e Pequi), e é voltada principalmente para áreas de relevância ambiental, nas unidades de conservação e áreas verdes relevantes.
A Brigada 1 possui ainda uma parceria com a Fundação Municipal de Parques e Zoobotânica e contribui no combate aos incêndios em parques municipais. O trabalho é feito principalmente durante a noite e nos fins de semana, já que os voluntários também precisam conciliar a atuação de brigadista com as profissões oficiais.
De acordo com Ana Karina Roque, que participa da Brigada 1 desde 2017, a onda de calor e o tempo seco ocasionados pelo El Nino e pela chegada da primavera, criaram um clima muito favorável para os incêndios florestais, o que tem dificultado o trabalho dos profissionais nas últimas semanas. Mais recentemente, a brigada atuou no
incêndio na mata da UFMG que ocorreu nesta semana. “A situação da onda de calor deixou o trabalho muito exaustivo, o calor e o tempo seco, além do terreno da mata ser de difícil acesso, foi muito difícil. Dá para sentir você desidratando, perdendo a energia, né? A gente avançava um pouco e já parava para respirar, o fogo tava muito intenso e foi bem desgastante”, dis Ana.
Por se tratar de um trabalho voluntário, a Brigada 1 conta também com o apoio da população, que se torna essencial para a manutenção do trabalho. “O complicado do voluntariado são os recursos financeiros. O pessoal pergunta: ‘Mas você trabalha de graça?’. E eu até brinco falando que pago para trabalhar. A gente tem que comprar equipamento, transporte, alimentação. Por isso a gente pede muito o apoio da população e faz campanha para comprar isotônico, água e comida”, conta Ana Karina. Além do apoio da população, a ajuda financeira também vem da parceria com as instituições públicas que ajudam no aporte para o combate dos incêndios florestais.
“Além de tudo, é uma atividade muito perigosa. A gente realiza na Brigada 1 um curso de quatro dias para ensinar as técnicas que são muito específicas e exigem muito treinamento. Nós realizamos também a conscientização constante da população para evitar apagar fogos sem esse curso. É preciso ter muito cuidado”, finaliza a brigadista.
Aqueles que desejarem ajudar o grupo voluntário podem fazer doações ao Pix CNPJ: 05.840.482/0001-01. É possível realizar doações diretas também no Parque do Rola Moça; pode-se entregar no almoxarifado da brigada água, isotônico, frutas, alimentos etc.
*Com informações de Clara Mariz