Os primeiros anos do Largo do Rosário
Em 1811, o cemitério ficou pronto e tinha 60 sepulturas. Segundo o mapa do historiador Abílio Barreiro (1957), a capela em homenagem a Nossa Senhora do Rosário foi inaugurada em 8 de outubro de 1819, dia em que as religiões de matrizes africanas celebram a padroeira. A igreja tinha sua frente voltada para o nascer do sol, na esquina da Timbiras com Bahia, na Região Centro-Sul de BH. O Largo do Rosário, porém, seria bem mais amplo que o cruzamento dessas ruas em Lourdes, segundo historiadores, possivelmente se expandindo pelas atuais ruas Aimorés, Espírito Santo e a Avenida Álvares Cabral.Segundo o padre Mauro Luiz da Silva, presidente do Comitê de Salvaguarda do Largo do Rosário, mestre e doutor em ciências sociais e também diretor do Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos (Muquifu), existe um estudo do arquiteto Thiago Fialho, indicando que o local fica 10 metros abaixo, em frente ao teatro da cidade. A análise usou como referência o material produzido pela Comissão Construtora da Nova Capital e reinterpretou com base nas dimensões contemporâneas. A amplitude do Largo do Rosário pode ser explicada pela identificação que a população preta encontrava na irmandade. “O nome Largo do Rosário surgiu porque criou-se uma corrente, uma união de pessoas na região. Muito provavelmente os vizinhos também eram pretos, devotos de Nossa Senhora do Rosário. Então, no entorno da capela formava esse largo, que é uma praça, onde a população mantinha uma vida ativa em comunidade”, explica o padre Mauro Luiz da Silva.Um símbolo de pertencimento
Além de um símbolo de religiosidade, a irmandade tornou-se uma organização que buscava a inclusão e sobrevivência dos seus integrantes. Eles organizavam festas e cultos, providenciavam remédios, alimentos e até buscavam a liberdade de escravizados. Assim foi até o arraial ser escolhido como a nova capital de Minas Gerais e a comissão construtora chegar aqui em 1894, com um plano republicano. Chefiados por Aarão Reis, a ordem da equipe foi destruir tudo nos limites que hoje conhecemos como Avenida do Contorno.Soterramento de um legado
Como resultado do planejamento para a construção da cidade, demoliram a capela do Rosário, na virada de 1897 para 1898, e soterraram o cemitério. Os moradores da região foram indenizados, no entanto, o valor não dava condições para que as pessoas comprassem um terreno nos limites da capital organizada.Para substituir a capela, construíram em 1897, no entroncamento da Avenida Amazonas com as ruas São Paulo e Tamoios, um novo templo. Apesar de ser registrado oficialmente como Igreja do Rosário, é conhecido atualmente como igrejinha Santo Antônio. Porém, essa não era mais ligada à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Arraial de Curral del-Rei. “Ao construir um novo templo, não levaram em conta os corpos que estavam sepultados, nem a propriedade conquistada independentemente pela irmandade. Assim, ela foi transferida para a Arquidiocese de Belo Horizonte. Os negros perderam além da igreja, o direito de propriedade, referencia identitaria e herança histórica”, afirma o historiador da Diretoria de Patrimônio Cultural e Arquivo Público da Fundação Municipal de Cultura da Prefeitura de BH, Marco Antônio Silva.Reparação histórica
Assim, a história da Irmandade dos Homens Pretos, e tudo o que ela representava, quase foi apagada. No entanto, o legado deixado pelos povos que ali viviam foi registrado nos últimos anos pelo Comitê de Salvaguarda do Largo do Rosário. Atualmente, graças à luta da junta para manter viva a memória da cidade, a região do Largo do Rosário foi registrada como Patrimônio Cultural e Imaterial de Belo Horizonte, por unanimidade, pelo Conselho do Patrimônio, órgão da PBH, em 2022. Com isso, foi colocada uma placa na esquina do quarteirão, onde acredita-se ser o lugar mais próximo e mais marcante, para identificar e para que todos que passem por lá saibam da importância do local. “Quando o Largo do Rosário recebeu o título de patrimônio cultural foi como se o município estivesse dizendo, em outras palavras, que reconhece o passado, essa história e essa dívida com o povo negro. Uma forma de reparação histórica”, comenta Marco Antonio Silva. Ainda segundo o historiador, com o procedimento, os cuidados do município com a região são ampliados. Torna-se responsabilidade da PBH divulgar, proteger e respeitar história da cidade e do povo negro que ali habitava, com o objetivo de garantir que essa e as gerações em diante reconheçam.Outras figuras importantes
Inácio da Costa Pereira é o único membro da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Arraial del-Rei conhecido. Isso porque ele foi o escrivão da comunidade que assinou um dos documentos enviados à Dom João VI, em 1811. A carta faz parte do acervo do Arquivo Público Mineiro.Outro nome que se destaca ao contar a história do Largo do Rosário é o do vigário Francisco Martins Dias, um homem negro que chegou ao arraial em 1892 e acabou atuando na transferência para a nova capital. Ele foi o último religioso a fazer uma celebração na Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e o primeiro pároco da capital.Uma fortaleza renovada
O prédio do 1º Batalhão da Polícia Militar de Minas Gerais, patrimônio de Belo Horizonte e marco zero do bairro Santa Efigênia, na Região Leste da capital, está passando por uma reforma. Com mais de um século de existência, o telhado do edifício precisou ser completamente trocado em obras de manutenção. A reforma foi iniciada em setembro e a previsão para finalização é até o final do ano. O imponente prédio onde hoje está instalado o 1º BPM e a Praça Floriano Peixoto, antes chamada de Praça Belo Horizonte, fazem parte do projeto da Comissão Construtora da Nova Capital Mineira, delimitados pela Avenida do Contorno, Rua Manaus e Álvares Maciel. A construção do quartel foi iniciada em março de 1887, sob a responsabilidade do Conde de Santa Marinha e projetado pelo arquiteto Edgar Nascentes Coelho. Somente após dois anos do processo de edificação, o local ficou pronto para receber o chamado Primeiro Corpo Militar da Província de Minas Gerais, criado em 1890 com o objetivo de atender as demandas por segurança pública do estado. O atraso na inauguração foi resultado de um incêndio que ocorreu durante a obra e atrasou a conclusão, transformando o quartel no segundo prédio oficial a ser inaugurado na cidade, atrás apenas do Palácio da Liberdade, localizado na Praça da Liberdade, Região Centro-Sul de BH. Antigamente chamado de “BG”, o quartel do 1º BPM recebe também o apelido literal de “fortaleza de BH”, que leva em consideração a arquitetura do local. Isso deve-se à espessura da fachada, que tem mais de 1 metro e foi construída assim para aguentar até tiro de canhão. O objetivo da construção era não só resguardar a tropa com locais estratégicos para a defesa, mas também garantir uma resposta efetiva ao inimigo, com inúmeras claraboias dispostas em toda extensão de onde os soldados poderiam acionar as metralhadoras. A fortaleza virou patrimônio em agosto de 1984, quando o ex-governador do Estado, Tancredo Neves, assinou o documento de tombamento do conjunto arquitetônico formado pela Praça Floriano Peixoto e pelo prédio do Quartel do 1º Batalhão. Apesar de toda a preparação, o batalhão nunca foi atacado, mas, até hoje, o local chama atenção pela beleza e por fazer parte da história de Belo Horizonte.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Rafael Rocha
Estado de Minas