Um “cenário caótico” com “adulterações” que causaram “prejuízos à interpretação dos fatos” foi o que peritos criminais da Polícia Federal (PF) relataram em laudo terem encontrado ao examinarem as duas chácaras da zona rural de Varginha (Sul de Minas) onde ocorreu,
em 31 outubro de 2021, uma operação que terminou com 26 suspeitos mortos foi realizada pelas polícias Rodoviária Federal (PRF) e Militar de Minas Gerais (PMMG) contra o novo cangaço.
As revelações foram feitas pela reportagem da
Agência Pública, que teve acesso, quase dois anos depois, ao laudo técnico de 449 páginas produzido a partir do trabalho de 20 peritos criminais.
De acordo com o descrito pela perícia, os corpos ensanguentados foram arrastados sob o argumento de que deveriam ser socorridos, vestígios foram retirados dos locais originais ou “misturados a elementos deliberadamente introduzidos na cena”, roupas e objetos foram “espalhados por todos os cômodos por cima das marcas de arrastamento”, colchões foram transferidos “de um ambiente para outro”, carros e armamentos foram retirados dos locais onde se encontravam.
O exame pericial indicou que, em uma das chácaras, os policiais dispararam pelo menos 216 vezes, contra oito efetuados pelos suspeitos de integrar a quadrilha – contudo, há armas que não foram entregues para exames.
Em depoimento à PF, em junho de 2022, o policial lotado em Brasília no Comando de Operações Especializadas da PRF afirmou que “todos os infratores estavam atirando e atentando contra a vida dos policiais”.
O relato da PRF afirma que, por volta das 5h do dia 31 de outubro de 2021, uma quadrilha do chamado “Novo Cangaço” reagiu a tiros ao ser abordada por equipes da PRF e do Bope (Batalhão de Operações Especiais) da PMMG. No confronto, 26 suspeitos foram mortos e nenhum policial se feriu.
A ação ocorreu em duas chácaras, nas quais a quadrilha estava reunida em dois grupos para planejar e partir para ataques a agências bancárias no sul de Minas Gerais, segundo a PRF. A polícia apresentou um farto armamento apreendido, incluindo fuzis, escopetas, granadas, explosivos, coletes à prova de bala e até uma metralhadora de calibre .50.
Segundo a reportagem, o inquérito da PF tenta esclarecer é se os agentes da PRF disseram a verdade ao afirmar que os 26 homens morreram durante uma grande troca de tiros, se a “investigação” que derivou para a matança foi conduzida de forma legal; se houve uso desproporcional da força e outras circunstâncias, como a morte de um motorista da quadrilha que fora rendido pela polícia numa estrada em Muzambinho (MG) e depois apareceu morto na chácara; e a morte do caseiro Adriano Garcia, um morador de Varginha (MG) com problemas alcoólicos que trabalhava há cerca de dois anos no sítio (na ocasião, alugado). Seus familiares dizem que ele não tinha qualquer relação com a quadrilha e apenas cuidava de uma das propriedades.
Os peritos também não localizaram perfuração nos 12 veículos que deveriam estar nos sítios. Um grupo de seis policiais rodoviários federais matou, cada um, três suspeitos (18 ao todo). Outros quatro mataram, cada um, de um a dois. Porém, como todos os corpos e as armas foram retirados dos locais de origem, a perícia não conseguiu reconstituir onde estava e o que fazia cada um dos mortos e cada um dos policiais.
Um dos agentes da PRF disparou 38 vezes. Outro, 33 vezes. Pelo menos 21 dos 26 suspeitos foram mortos por agentes da PRF e três, pelos agentes do Bope. O inquérito aberto pela PF para investigar as mortes não tem prazo para ser concluído.
Dos 26 mortos, oito eram mineiros de Uberaba, cidade que em 2019 foi dominada pelos criminosos do Novo Cangaço, que espalharam explosivos pelas ruas, usaram pessoas como escudos humanos presas a veículos e transformaram as esquinas em campos de batalha, matando uma mulher de 21 anos duas feridas.