Quase oito anos após o rompimento da barragem de Fundão, que resultou na morte de 19 pessoas em Mariana, Minas Gerais, os danos ambientais e sociais causados pelos rejeitos de minério continuam sem reparação. O acordo firmado em 2016 com as mineradoras, que criou a Fundação Renova para conduzir os esforços de reparação, se mostrou insuficiente. Atualmente, o poder público debate novos termos e a alocação de mais de R$ 100 bilhões para financiar novas ações.
O prazo para a negociação final, previsto para ser concluído até 5 de dezembro, se aproxima. Áudios obtidos pelo Dia a Dia Notícias revelaram um racha entre os municípios atingidos pela lama em Minas Gerais e no Espírito Santo, com prefeitos trocando ofensas e acusações no WhatsApp.
No Brasil, o governo federal e os dois Estados afetados discutem a renegociação do acordo com a Samarco e suas acionistas, Vale e BHP Billiton. Embora o valor não tenha sido oficialmente divulgado, a indenização está estimada entre R$ 110 bilhões e R$ 120 bilhões. Para representar as cidades atingidas, o Consórcio Público para Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce) foi criado, representando 45 prefeituras mineiras e sete capixabas. A mediação do acordo é conduzida pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6).
Entretanto, devido à demora do processo no Brasil, que foca apenas na renegociação há quase três anos, 46 municípios, 700 mil pessoas afetadas e 2,5 mil empresas, autarquias e instituições religiosas entraram com uma ação coletiva na Justiça do Reino Unido, em Londres, buscando uma indenização de R$ 230 bilhões. O julgamento está agendado para outubro de 2024, mas há a possibilidade de um acordo em março, de acordo com o advogado Tom Goodhead, CEO do escritório representante dos afetados. Isso coloca pressão sobre o poder público brasileiro para encontrar uma solução antes.
BATE-BOCA ENTRE PREFEITOS
Esse contexto levou a uma briga no grupo de WhatsApp do consórcio. O Dia a Dia Notícias teve acesso a áudios nos quais o prefeito de Baixo Guandu (ES), Lastênio Cardoso (Solidariedade), acusa o presidente da entidade, o prefeito de São José do Goiabal (MG), José Roberto Gariff Guimarães (PSB), de tentar enfraquecer a ação na Justiça britânica a pedido do governo de Romeu Zema (Novo).
Os governos de Minas e do Espírito Santo, bem como o governo federal, não são partes no processo em Londres e, portanto, não receberiam recursos de um acordo lá.
"Na ação inglesa, o povo vai receber. Essa repactuação no Brasil, essa p... que não vai acontecer nunca, o povo não recebe um real. Se você tiver contra o povo, problema de vocês", diz Lastênio a Guimarães. Em resposta, o prefeito de São José do Goiabal nega a acusação e utiliza linguagem ofensiva. "Não sou esse tipo de homem que você pensa que eu sou. Vai à m.... Tem dois anos que eu trabalho em função de todos no Coridoce. Então, lava sua boca."
A prefeitura de Baixo Guandu alega que houve um "mal-entendido" entre os prefeitos, já resolvido. Procurado, Guimarães afirmou apenas que "pessoas de bem" tiveram divergências.
POSIÇÃO DO MPF
Carlos Bruno, procurador do Ministério Público Federal envolvido nas negociações, classifica como "equívoco" a interpretação de que pessoas físicas não receberiam indenizações, pois essa possibilidade está prevista no acordo debatido na Justiça brasileira.
Para Bruno, um acordo no Reino Unido poderia prejudicar o acordo no Brasil. "Supondo-se que houvesse acordo em Londres, seria natural que as empresas alegassem que já fizeram acordo em outra jurisdição e não gostariam de fazer o acordo aqui." O impasse persiste, e a reparação das terríveis consequências do rompimento da barragem de Fundão continua a ser uma questão não resolvida.