O cinturão verde dos biomas Mata Atlântica e Cerrado, que ajuda a aliviar as temperaturas de Belo Horizonte e Região Metropolitana, além de garantir a alimentação dos rios, já sofreu mais desmatamentos neste ano do que nos 12 meses de 2022. É o que mostra levantamento feito pela reportagem do Estado de Minas, com base nos dados de satélites validados por analistas do projeto MapBiomas. De janeiro a agosto, os municípios da Grande BH perderam 90,76 hectares (ha) dessa vegetação, 64,8% a mais que o total suprimido no mesmo período de 2022 (55,06ha) e 46% acima do desmate de todo aquele ano (61,94 ha).
A própria Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) reconhece que o desmatamento ilegal é uma das principais causas para as mudanças climáticas que afetam o planeta e o estado. A ampliação do desmatamento da Grande BH está relacionada tanto ao aquecimento quanto a chuvas mais concentradas e destrutivas, além de piorar o abastecimento dos rios, segundo avaliação do geógrafo e professor dos Departamentos de Geografia e Biologia da PUC Minas, Antoniel Fernandes. “A cobertura vegetal tem papel fundamental para regular o clima. A vegetação mais densa consegue absorver mais CO2 e libera oxigênio. E a evapotranspiração reduz a temperatura e amortece as chuvas, permitindo que mais água permeie o solo e abasteça os rios, em vez de correr direto para os mananciais e provocar enchentes”, observa o especialista.
A MapBiomas é uma rede colaborativa de ONGs, universidades e startups de tecnologia que monitora e mapeia a superfície brasileira, mostrando suas transformações. No total, segundo os dados de satélites interpretados pela rede, foram 13 os municípios da Grande BH que contribuíram neste ano para que os desmatamentos fossem expressivamente maiores do que em 2022: Baldim, Brumadinho, Caeté, Contagem, Esmeraldas, Florestal, Igarapé, Itaguara, Itatiaiuçu, Lagoa Santa, Sabará, Santa Luzia e Taquaraçu de Minas.
Nesses locais, que ficam ao redor da capital mineira, a agricultura e a expansão urbana foram identificadas como as principais pressões sobre a vegetação relacionadas aos desmates de 2023, até agosto. Foram 66,45ha dentro do bioma do Cerrado e 24,31ha que constituíam o domínio da Mata Atlântica. Neste último, o município onde a floresta preservada por leis federais rígidas perdeu mais área foi Caeté, com a derrubada de 8,62ha de mata atlântica. A maior devastação faz limite com Barão de Cocais e fica próxima às cavas de mineração da Mina de Gongo Soco, emendada a pastos de propriedade de uma grande fazenda com mais de 240ha.
Outro grande problema é que as áreas desmatadas acabam sendo mais suscetíveis ao aparecimento de focos de incêndios, que podem se alastrar por grandes regiões. “Com o desmatamento, boa parte da vegetação derrubada e do material orgânico que fica pode se transformar em combustível para que ocorram incêndios florestais ou acabam sendo alvos de queimadas para limpar a área para outras atividades”, ressalta Fernandes.
Minas Gerais está na décima posição entre as unidades da Federação que mais desmataram, com uma área superior a 34 mil hectares derrubados entre janeiro e agosto de 2023. Essa área é mais ampla do que a de cada um dos 10 menores municípios mineiros e daria para abrigar 142 parques como o das Mangabeiras Maurício Campos, o maior de Belo Horizonte, com 240ha.
O maior desmatamento mineiro do período ocorreu à beira do Rio São Francisco, onde o Cerrado deu lugar a pivôs centrais de plantações em uma área de 710 hectares em Buritizeiro, no Norte de Minas. Santa Fé de Minas foi o município com a perda mais rápida de vegetação, alcançando um ritmo de 8 hectares por dia, também na mesma região mineira. Até o momento, em 2023, só o bioma do Cerrado perdeu 27.955 hectares, a Mata Atlântica, 3.645ha, e a Caatinga, 2.542,4ha. Os municípios que mais perderam vegetação foram João Pinheiro, com 2.203,18ha desmatados, Januária (2.073,75ha), Buritizeiro (1.831,89ha), Formoso (1.659,73ha) e Arinos (1.557,13ha).
Esmeraldas lidera cortes
O município da Grande BH com a maior área desmatada entre janeiro e agosto de 2023 foi Esmeraldas, de acordo com as imagens de satélites analisadas pela equipe da MapBiomas. Sozinha, a cidade perdeu 46,99 hectares (ha) de vegetação no período, o que representa 52% de toda a área devastada na região. Toda a vegetação derrubada em Esmeraldas pertence ao bioma do Cerrado e deu lugar à ampliação de fazendas de atividades agropecuárias e à expansão de áreas urbanas.
A maior supressão ocorreu em uma fazenda de mais de 300 hectares, com parte inscrita para recuperação de Áreas de Proteção Permanente (APP). Em fevereiro, entretanto, mata localizada no alto de um morro na propriedade foi suprimida para dar lugar a 22,48ha de pastos.Trata-se também de uma área sensível, principalmente por estar a 650 metros do Rio Paraopeba, manancial que foi fortemente atingido no rompimento das barragens B1, B4 e B4A, da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, em 2019. O manancial recebeu cerca de 2 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração. E quanto mais áreas desmatadas, mais é assoreado, com a terra desprotegida sendo carreada para dentro do rio.
Outras duas grandes áreas próximas a espaços urbanos se destacaram pela perda vegetal, segundo a análise da MapBiomas. Uma delas, agora um rombo de 9,27ha na mata, foi aberta em maio de 2023 no Bairro de Melo Viana, limite com o Bairro Metropolitano, de Ribeirão das Neves, a apenas um quilômetro da rodovia BR-040. A área já tem intensa exploração imobiliária e cada vez menos matas, não estando inscrita no Cadastro Ambiental Rural.
A outra grande área desmatada que sofre pressão da expansão urbana captada pelos satélites e validada pela equipe da MapBiomas teve a mata de Cerrado derrubada em março, abrindo um terreno vazio e destocado de 6,24 hectares perto do Bairro Cachoeirinha. A área fica em uma fazenda de pouco menos de 50ha inscrita como área de recomposição de reserva legal, mas que pouco a pouco vai perdendo a sua cobertura vegetal.
A tática adotada para a derrubada das árvores, coleta da lenha, transporte por caminhões e roçada da área é a mesma vista em muitos procedimentos clandestinos. Os desmatadores começam os cortes do interior do terreno e vão expandindo, sempre deixando uma pequena margem vegetal nas bordas, sobretudo próximas a estradas e terrenos vizinhos, para que sirvam de obstáculos, encubram a visão direta do desmate e impeçam denúncias e fiscalizações. As imagens de satélites chegaram a captar até mesmo fumaça saindo de dentro do terreno desflorestado, o que sugere uma limpeza por meio de fogo dos detritos da roçada – sem falar em mais um perigo para provocar incêndios florestais.
De acordo com análise do geógrafo e professor dos Departamentos de Geografia e Biologia da PUC Minas, Antoniel Fernandes, a falta de política habitacional e os altos preços de imóveis próximos aos mais importantes centros da Grande BH têm levado as pessoas a ocupar áreas vegetadas de municípios como Esmeraldas. “É um município de alta vulnerabilidade social e a população acaba se deslocando para lá por ser mais em conta. Isso contribui para as ocupações irregulares. E se trata de um meio ambiente frágil, que é o Cerrado, um dos hotspots mundiais, onde se remove a cobertura vegetal e compromete o solo, aumentando os processos erosivos. Esse material fruto da erosão tem como destino rios como o Paraopeba”, observa.
Ações de fiscalização
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou que o combate ao desmatamento ilegal é uma das principais ações para mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. “Nesse sentido, podemos citar o Minas contra o Desmatamento, uma união entre o governo do estado e os municípios para prevenção e combate ao desmatamento ilegal nas regiões mais afetadas; e o fortalecimento da fiscalização ambiental, sendo mais de 5.251 ações somente no primeiro semestre deste ano com essa finalidade”, informou a secretaria.
Com esse trabalho, a Semad informa ter conseguido uma redução de 47% das áreas desmatadas de 2023 para 2022 do bioma Mata Atlântica. “O estado tem se preocupado também com a eliminação progressiva de combustíveis fósseis, com atração de investimentos baseados na economia verde e sustentabilidade, como o Vale do Lítio. Minas já alcançou a marca de 99,5% da matriz energética vinda de fontes renováveis, como hidrelétrica, solar, eólica e biomassa, sendo o primeiro estado brasileiro a superar a marca de 6 GW de geração de energia solar fotovoltaica em operação.”
Com relação à educação ambiental, a Semad conta com o programa Jovens Mineiros Sustentáveis, que atualmente está em 105 municípios e já atendeu cerca de 6.600 alunos desde seu lançamento, em março de 2022. Neste mês, foi lançado o desafio Bosque do Amanhã, com a meta de plantio de 6 mil mudas pelas escolas que fazem parte do programa.
A Semad afirma que as ações de enfrentamento às mudanças climáticas do governo de Minas têm se destacado mundialmente, sendo um dos reconhecimentos o convite da Organização das Nações Unidas (ONU) para a participação na Cúpula de Ambição Climática, realizada na última semana, em Nova York. “Um dos destaques na participação de Minas foi o Plano Estadual de Ação Climática (Plac), lançado em 2022, considerado inspirador para outros países”, destaca a pasta.
O Plac conta com 199 metas para a redução de gases de efeito estufa e captura de carbono, com estabelecimento de metas intermediárias para a redução a cada cinco anos (2025, 2030 e 2035). “Cabe destacar que Minas foi o primeiro estado da América Latina e do Caribe a aderir à Campanha Race to Zero (para zerar emissões líquidas de carbono até 2050)”, afirma a Semad.