Minas Gerais Gerais

Barragem de urânio "toma bomba" e preocupa vizinhos

  Duas barragens da mineração de urânio das Indústrias Nucleares do Brasil S.

Por Redação

17/10/2023 às 04:44:27 - Atualizado há
  Duas barragens da mineração de urânio das Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), em Caldas, no Sul de Minas não atenderam aos requisitos estruturais para obter a declaração de condição de estabilidade (DCE), mas não puderam ser embargadas uma vez que a legislação impede que conteúdo radioativo danoso ao meio ambiente e aos seres humanos seja removido para outros reservatórios. Com isso, todo o volume de rejeitos, cerca de 2,5 milhões de metros cúbicos (m³) do componente para combustível nuclear permaneceram nos barramentos, que passam por obras de reforço e adequação. O volume equivale a cerca de um quarto do conteúdo que vazou do rompimento de Brumadinho, em 2019.  A informação é da Agência Nacional de Mineração (ANM), atualizada ontem, e que estima que abaixo das construções há até 500 pessoas que podem ser afetadas em caso de ruptura.
Uma das estruturas, a D4, contém sedimentos, que são os resíduos da mina colhidos para decantar e não assorear os cursos d'água abaixo. Já na barragem BAR há 2,5 milhões de m³ de rejeitos de urânio a 0,70%. "Esse material tem um potencial muito preocupante de contaminação em caso de desastre, além das inundações, podendo contaminar com radiação o solo, a água superficial, a água subterrânea, os animais, a vegetação e os seres humanos", alerta a coordenadora municipal da Defesa Civil de Caldas, Inae Lopes. A INB afirma não ter ocorrido uma piora nas condições das barragens, que as monitora e faz adequações para deixar o nível de emergência.
A situação das barragens preocupa sobretudo a população de Caldas, desde que as duas estruturas passaram a integrar a listagem de barramentos monitorada pela ANM, no início deste ano, e devido à necessidade de muitas adequações. As estruturas foram elevadas ao nível 1 do plano emergencial, que preconiza a necessidade de obras urgentes. Os patamares mais críticos são o nível 2 (obras até o momento insuficientes, a Zona de Autossalvamento (ZAS) – precisa ser evacuada) e o nível 3 (rompimento iminente ou em curso). Minas Gerais é o estado com mais estruturas com níveis de emergência do Brasil.
"As pessoas estão muito preocupadas, mas estamos monitorando a situação, a ANM fez exigências, está fiscalizando, o INB tem feito as obras e a empresa contratada está adequando as estruturas para atenderem às exigências. Em nível 1, o que se faz por nossa parte é esse monitoramento, não há ainda motivo para alerta da população", afirma a coordenadora da Defesa Civil Municipal.
A coordenadora considera que o acompanhamento da situação e as intervenções vêm sendo realizadas de forma rígida e satisfatória, mas admite que só terá ciência completa das condições do barramento em reunião marcada para o mês que vem com as agências envolvidas, empresas e representantes de Poços de Caldas e Andradas. "Estamos também planejando dois exercícios simulados de emergência para a população e os funcionários, mas no ano que vem. Enquanto isso, disponibilizamos nosso plano de contingência e os canais de redes sociais, telefone, rádio, carros de som e viaturas da polícia para casos emergenciais", disse. Não há sirenes de alerta de emergência, equipamento previsto apenas a partir do nível 2.
De acordo com a ANM, as duas barragens que não atestaram estabilidade não puderam ser embargadas por questões ambientais, "visto que, de acordo com manifestação formal da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) – antigo órgão competente pela fiscalização de barragens de rejeitos nucleares –, a menos que os efluentes tratados possam ser direcionados para outro destino apropriado e licenciado, o embargo das barragens poderá levar a um possível impacto radiológico ambiental. Essas estruturas são de responsabilidade das Indústrias Nucleares Brasileiras e eram antes fiscalizadas pelo CNEN, passando a ser de nova competência transferida para a ANM".
A última vistoria da ANM apontou algumas situações que precisam ser corrigidas na barragem BAR, que retém os rejeitos de urânio. Há indicativo de percolação (infiltração), com umidade ou surgência nas áreas de jusante (parte externa da barragem no sentido do fluxo do manancial que a formou). Também foram identificadas falhas na proteção dos taludes, com presença de vegetação arbustiva.
No relatório, a agência considera que o impacto ambiental em caso de rompimento seria "muito significativo agravado", pois a barragem "armazena rejeitos ou resíduos sólidos classificados na Classe I – perigosos, segundo a NBR 10004/2004". Já o impacto socieconômico poderá ser "baixo", por existir "pequena concentração de instalações residenciais, agrícolas, industriais ou de infraestrutura de relevância socioeconômico-cultural na área afetada a jusante da barragem".

INCÓGNITAS


Várias incógnitas rondam e estrutura da Barragem BAR, que retém 2,5 milhões de m3 de rejeitos de urânio em Caldas, no Sul de Minas. Esses fatores influenciaram a não obtenção da declaração de Condição de Estabilidade (DCE), documento de empresa independente que garanta a sua solidez. De acordo com a ANM, a drenagem da barragem não seria confiável. "Sistema de drenagem em desacordo com projeto inexistente ou desconhecido ou estudo não confiável ou inoperante", classificou.
A estrutura operada pela empresa Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB) para retenção dos rejeitos de urânio começou a operar em 1980 e foi desativada em 1995, quando não deveria mais receber rejeitos. Ao contrário das barragens que se romperam em Mariana (2015), deixando 14 mortos, e em Brumadinho (2019), com 272 vítimas, o método construtivo do barramento não teve ampliações de capacidade pelo método de alteamento a montante, o mais perigoso e banido do Brasil, em 2019. Esse método previa que um novo estágio de barragem fosse erguido entre a estrutura do represamento existente e se apoiasse também sobre os rejeitos acumulados.
A BAR foi implantada em etapa única, ou seja, o primeiro barramento construído é o único existente, sem ampliações ou alteamentos. Os rejeitos de urânio foram gerados ao longo desses 15 anos por meio de processos químicos e físicos: lixiviação (separação do minério bruto por processo químico ou uso de ácido), clarificação (remoção de impurezas), precipitação (urânio dissolvido é recuperado do líquido), filtração (composto sólido é separado do líquido residual) e a secagem para obter o produto final de minério de urânio. No caso da barragem, o rejeito foi separado usando um solvente orgânico (amina terciária).
Segundo nota da INB, "as barragens são permanentemente monitoradas”. A empresa “reforça a integral determinação no atendimento aos requisitos estabelecidos pela ANM e às recomendações de consultores geotécnicos contratados”.

“SEM FATO NOVO”


Ainda de acordo com a INB, “o enquadramento das estruturas não é resultado de piora nas construções, apesar de várias observações feitas pela fiscalização que precisam ser readequadas”.  Segundo a nota,  "com a promulgação da lei 14.514 de dezembro de 2022, a ANM passou a regular e fiscalizar as estruturas de mineração das unidades da INB. Tanto a barragem de rejeitos quanto a D4 foram incluídas em junho de 2023 pela INB no SIGBM e ficaram enquadradas no nível 1 de emergência", destaca.
“Como esperado, pelo fato de as duas barragens se encontrarem no nível de emergência 1, o auditor independente não atestou a estabilidade das estruturas e indicou que elas devem passar por obras de adequação", frisa a empresa. "Não ocorreu fato novo relacionado à estrutura das barragens, que permanecem no nível 1 de emergência, de acordo com os critérios estabelecidos. O nível 1 de emergência é o primeiro na escala de 3 níveis, o que representa que não há risco de ruptura iminente. A INB ressalta que está trabalhando para promover as adequações necessárias para sair do nível de emergência e receber o atestado de estabilidade", destaca.  
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