Prova será realizada apenas na capital. Inscritos para o novo vestibular criado neste semestre pelo governo estadual só para alunos de escola pública, milhares de estudantes de 36 campi do IFSP no Interior terão que viajar quilômetros. Instituto Federal São Paulo em Boituva
Adilson Rezende
Cerca de 3.500 estudantes do ensino médio do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) podem ficar de fora do Provão Paulista porque foram alocados a centenas de quilômetros do local de provas. Alunos de escola pública que vivem e estudam em 37 campi diferentes por todo o território paulista, eles foram todos direcionados pela Secretaria Estadual da Educação de São Paulo (Seduc-SP) para locais de prova na capital.
A cidade de São Paulo fica a até 600 quilômetros de distância de alguns desses campi, como o de Ilha Solteira.
Em 26 de outubro, quando foram divulgados os locais de prova, o IFSP chegou a encaminhar um ofício ao secretário estadual da Educação, Renato Feder, pedindo a revisão da medida.
"Reconhecemos que a logística de organizar exames em diversos municípios pode ser desafiadora, mas acreditamos que, com planejamento adequado e cooperação, essa iniciativa pode ser concretizada em benefício de todos os envolvidos", disse, no ofício, o reitor do IFSP, Silmário Batista dos Santos.
"O Instituto Federal de São Paulo está disposto a colaborar no que for necessário para viabilizar essa proposta e acredita que, juntos, podemos garantir que os estudantes do nosso estado tenham a oportunidade de demonstrar seu potencial sem obstáculos desnecessários", continuou ele.
Procurada pela TV Globo, a Seduc-SP informou, por meio de nota, que "garantiu aos alunos de outras redes públicas o direito de participar do Provão Paulista". Disse, ainda, que "a inscrição de alunos de escolas federais ou de outros estados ficou disponível entre os dias 29 de setembro e 6 de outubro" e que "a pasta registrou interesse de estudantes de diferentes localidades do Brasil, como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Pará e Rio Grande do Sul".
Já a Vunesp, parceira na realização da prova, afirmou à TV Globo que o processo de definição dos locais de prova ficou sob a responsabilidade da secretaria.
O Provão Paulista acontece entre 28 de novembro e 1º de dezembro e mais de 15 mil vagas na Universidade de São Paulo (USP), na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na Universidade Estadual Paulista (Unesp) na Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp) e nas Faculdades de Tecnologia de São Paulo (Fatecs).
Sonho de ser psicóloga mais distante
Moradora da cidade de Urupês e estudante do IFSP em Catanduva, a 350 quilômetros da capital, a candidata Clara Soilo, de 17 anos, provavelmente vai perder a prova, e ver diminuir suas chances de conseguir uma vaga de psicologia em uma das universidades estaduais paulistas.
A mãe dela, a professora da rede municipal Andréia Soilo, afirmou em entrevista à TV Globo que não tem condições financeiras de pagar as passagens, hospedagem e alimentação para garantir a participação da filha.
"Entra na questão orçamentária", explicou ela. "É um deslocamento de aproximadamente 350 quilômetros da minha cidade. É uma cidade sobre a qual não temos conhecimento e isso dificulta muito a nossa ida."
A professora diz que a maior preocupação é com o fato de o Provão Paulista ter sido desenhado como um vestibular seriado. Isso quer dizer que os candidatos fazem a prova em todos os três anos do ensino médio, e vão acumulando a nota para o cálculo final.
"Eles não terão a oportunidade de fazer de novo no ano que vem. Então, minha filha, assim como todos os outros alunos do instituto, estará prejudicada. Não estão em nível de igualdade."
Ela ainda ressalta que o Provão Paulista não vai oferecer vagas extras nas universidades estaduais, mas sim vagas que já existiam e, até o ano passado, eram disputadas principalmente pela seleção que usa a nota do Enem.
"O Enem estava para todos", diz Andréia. "Mas o Provão Paulista acabou tirando essas oportunidades desses alunos. Vai ter diminuição das vagas, porque vai ter uma divisão, um pouco para o Enem e um pouco para o Provão Paulista, tirando a oportunidade desses alunos."
Sem resposta
Pelas regras do edital, "o candidato pode requerer recurso à aplicação do Provão Paulista Seriado em casos excepcionais, atestados pelo Coordenador de Avaliação, que comprovem a impossibilidade de realização da prova por problemas logísticos e/ou operacionais gerados pelo Estado, mediante análise da SEDUC".
Andréia diz que já tentou "inúmeras vezes" entrar em contato por telefone e por e-mail com a Seduc-SP e com a Vunesp, mas não recebeu retorno. O professor Diego Lopes, que dá aulas para o ensino médio e a pós-graduação na turma de Clara, afirma que, nos casos em que os pais conseguiram um retorno, o pedido de alteração do local de provas foi negado.
Em uma das respostas, a secretaria afirmou que "não possui a gestão do espaço física de outros entes" e que "é inexequível, neste momento, alterar os locais de prova estabelecidos". Disse, ainda, que "isso acarretaria um custo adicional ao Estado de São Paulo, comprometendo o erário público".
"Se esses alunos não vão conseguir ir até a capital fazer a prova, também não é um desperdício de dinheiro gastar com impressão de prova, logística, funcionários, servidores para aplicar as provas no dia para os alunos que não estarão presentes, porque a presença deles é impossível?" (Diego Lopes, professor do IFSP em Catanduva)
Segundo Diego, os estudantes ficaram muito animados quando o Provão Paulista foi lançado, mas as dificuldades começaram já no período de inscrição. O edital, publicado em 29 de setembro, dividiu as inscrições em quatro grupos: um para estudantes da rede estadual de SP, um para estudantes do Centro Paula Souza, um para estudantes pretos, pardos e indígenas, e um quarto grupo para "candidatos das instituições ou redes públicas municipais, estaduais e distrital".
Não havia menção a candidatos da rede pública federal.
"Nossos estudantes encontraram dificuldade para conseguir se inscrever nesta avaliação, já que, inicialmente, não havia a possibilidade de selecionar a nossa escola", disse o professor, que explicou que apenas nos últimos dois dias de inscrição o sistema permitiu a participação de alunos da rede federal.
Ele também questiona por que, após a inscrição, o governo estadual não conseguiu alocar os estudantes em escolas estaduais próximas, caso não pudesse usar os prédios do IFSP. "Os alunos das escolas estaduais farão a mesma prova em suas próprias escolas. Ou seja, haverá a aplicação da mesma avaliação na escola vizinha para os alunos de Catanduva, mas apenas os nossos estudantes terão que ir até a capital."
O problema levou deputados estaduais a entrarem na justiça com uma ação pública. Protocolada na última segunda-feira (13), ela questiona o fato de que a Vunesp possui expertise para aplicar as provas no Interior do estado e pede uma liminar determinando que a entidade e o governo estadual "viabilizem aos estudantes do Instituto Federal de São Paulo a realização das provas em seus respectivos municípios".
"A gente estimula sempre os nossos alunos a buscarem essas oportunidades. E chega uma oportunidade importante como essa e eles estão sendo impedidos de participar dessa prova." (Diego Lopes, professor do IFSP)