Indicado por Lula à PGR afirmou que um artigo que escreveu sobre o tema foi descontextualizado. Durante sabatina no Senado, Gonet também defendeu a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Paulo Gonet durante sabatina no Senado
Pedro França/Agência Senado
O subprocurador Paulo Gonet, indicado por Lula à Procuradoria-Geral da República (PGR), disse nesta quarta-feira (13) que nunca afirmou ser contrário às cotas raciais. Ele acrescentou, no entanto, que ações afirmativas desse tipo devem ter um prazo de duração.
Paulo Gonet deu as declarações durante sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Ele foi questionado sobre um artigo que escreveu sobre cotas e disse que o documento foi descontextualizado, atribuindo a ele uma posição que não defende.
"O artigo que escrevi sobre cotas, no passado, foi lido em alguns lugares apenas em partes e fora do contexto. A descontextualização acabou atribuindo [a mim] sustentar ideias que eu nunca defendi, nunca disse ser contrário às cotas", declarou.
Gonet afirmou também que as ações afirmativas devem ser definidas pelo Legislativo e abordadas de forma "técnica" e "com metodologia" para que tenham "efetividade".
"Para que haja cota, é preciso que haja, em primeiro lugar, o estabelecimento de um prazo para que essa cota tenha vigência, porque, se o problema que a cota quer resolver, já for solucionado ao longo do período, ela deixa de se justificar", prosseguiu o indicado.
Artigo escrito em 2002
O artigo mencionado por Gonet foi levado à sabatina pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES). O texto, escrito pelo subprocurador em 2002, é intitulado "Ação Afirmativa e Direito Constitucional".
No documento, publicado antes da instituição da Lei de Cotas no país, o subprocurador discorre sobre o tema e diz, em determinado ponto, que as cotas raciais seriam capazes de "engendrar injustiças inaceitáveis, política e juridicamente".
No artigo, Gonet reconhece a disparidade de acesso à educação e trabalho para pessoas negras, mas afirma que a instituição das cotas seria a criação de um "programa de discriminação reversa".
"A discriminação reversa envolve decisão de beneficiar um segmento da população, no momento de distribuir cargos, vagas em universidades, contratos com governos, promoções no serviço público. Esses bens e interesses ficam subtraídos do alcance dos não-beneficiados pela política em causa", escreveu Gonet.
"O que caracteriza a discriminação reversa – e o que a torna controvertida – é precisamente a circunstância de que o favorecimento de um grupo implica, necessária e imediatamente, a evidente exclusão de outro", continuou.
No artigo, Gonet não se coloca totalmente contra a aplicação de uma política do tipo, mas diz que a ação teria de ser temporária, e que o Estado poderia usar "de outros meios de ação afirmativa menos agressivos".
Na sabatina desta quarta-feira, Gonet comentou o uso da expressão "discriminação reversa" e disse que não é uma construção "pejorativa".
"Me lembro de ter usado várias vezes a expressão discriminação reversa. Discriminação reversa, hoje, pode soar estranho para os nossos dias, mas, no final da década de 90 e início dos anos 2000, essa era uma expressão corrente. O próprio Supremo usou essa expressão em 2012, em um acórdão. Não existe, a não ser que se queira perturbar demais o diálogo técnico, não existe conotação pejorativa nessa expressão", declarou o indicado.
Criminalização da homofobia
Paulo Gonet foi questionado pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES) sobre uma decisão de 2019 do STF que equiparou a homofobia ao crime de racismo, com posicionamento favorável da PGR à época. Gonet disse não ser contra a criminalização da homofobia.
"Não sou contra a criminalização da homofobia, nunca escrevi sobre isso. Houve comentários que fiz em sala de aula, e era um comentário também corrente, que o princípio da legalidade em matéria penal poderia estar 'estressado' com uma extensão do conceito de racismo para englobar a homofobia", declarou.
"Se vossas excelências, no Parlamento, decidirem tipificar essa conduta [homofobia] como crime, vai estar perfeitamente dentro das atribuições constitucionais do nosso Legislativo", completou Gonet.
Recentemente, o ministro do Supremo Tribunal Federal Cristiano Zanin, magistrado indicado por Lula, foi criticado por movimentos sociais ao votar contra a equiparação de atos de homofobia e transfobia à injúria racial.
União civil de pessoas do mesmo sexo
Sobre relações homoafetivas e casamento civil de pessoas do mesmo sexo, Gonet disse acreditar que essas relações "já estão regradas, tanto pela lei quanto pela jurisprudência", e que não teria, como procurador, "nenhum interesse de agir de modo contrário".
Na réplica, Contarato pediu uma posição mais clara de Paulo Gonet sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo e sobre adoção por casais homoafetivos. O senador, que tem uma união civil do tipo e dois filhos adotados, perguntou se Gonet considerava esse arranjo uma "família".
"O senhor quer uma opinião pessoal, vou dar uma opinião pessoal. Acho que seria tremendamente injusto que duas pessoas que vivem em conjunto, juntas, como uma unidade familiar, não tivessem nenhum reconhecimento desse fato. Diante de uma separação, não tivessem nenhuma regração do Estado para protegê-los", afirmou Gonet.
"E mais: acho que o amor que vossa excelência [Contarato] e a pessoa com quem vossa excelência está casado têm pelos seus filhos é algo que, com certeza, merece a admiração da cidadania", concluiu o subprocurador.
Congressistas conservadores têm articulado, nos últimos anos, ações contra a criminalização da homofobia e o casamento de pessoas do mesmo sexo.