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Justiça suspende resolução que pretendia remover debate sobre diversidade étnica, religiosa e de gênero em escolas de Manaus

Por Redação

22/03/2021 às 17:56:46 - Atualizado há
Para juiz, remover temática prejudica implementação de atividades afirmativas. Educadores consideram medida retrógrada e ressaltam importância de temática inclusiva. Conselho Municipal de Educação pretendia remover temática sobre diversidade étnica, religiosa e de gênero nas escolas de Manaus

Divulgação

A Justiça do Amazonas suspendeu, na noite de domingo (21), a resolução do Conselho Municipal de Educação de Manaus que pretendia retirar a inclusão de temáticas relacionadas a relações étnico-raciais, diversidade de gênero e liberdade religiosa no sistema municipal de ensino da capital. A Secretaria Municipal de Educação ainda pode recorrer da sentença.

A decisão do juiz Cássio André Borges dos Santos foi tomada com base na ação ajuizada pela Associação de Desenvolvimento Sociocultural Toy Badé e pela Associação Nossa Senhora da Conceição. Para o magistrado, conforme expresso no texto da sentença, a suspensão da abordagem dessas questões “representa retrocesso ou mesmo impedimento à continuidade do desenvolvimento de atividades afirmativas no âmbito da Capital”.

O ensino de história e cultura afro-brasileira está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Assim, como a questão da diversidade sexual e de gênero, em que há uma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) determinando que a “necessidade de suplementação da legislação federal (...) não justifica a proibição de conteúdo pedagógico não correspondente às diretrizes fixadas na Lei de Diretrizes e Bases".

Em relação ao ensino religioso, as entidades frisaram que o próprio Conselho Municipal de Educação, em 2008, por meio da Resolução n.º 02, já demonstrava preocupação com a qualidade técnica dos profissionais a serem contratados para ministrar a disciplina e um direcionamento para a aplicação de conteúdos relacionados a essa temática “não se tratando, portanto, de um debate recente”, afirmam na petição.

Para o vereador Raiff Matos, um dos defensores da proposta, não ficava explicitada a aplicabilidade da proposta em relação aos profissionais que ensinariam esse conteúdo às crianças. Ele também fala sobre as famílias dos estudantes, que em sua visão deveriam ser consultadas.

Professora Elisângela de Almeida Silva, assessora pedagógica (GAEED)

Retrocessos

Educadores ouvidos pelo G1 apontam que a suspensão das discussões sobre essa temática representa um retrocesso para a educação, além de ser ilegal – uma vez que há leis nacionais que determinam a discussão dessas temáticas em sala de aula.

Para a professora Elisângela de Almeida Silva, assessora pedagógica na Gerência de Atendimento Educacional Específico e da Diversidade (Gaeed) e membro da União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro), afirma que alguns grupos resistem em aceitar que é necessário ter diversidade nas escolas.

“É muito arbitrário querer passar por cima de tudo isso, até porque nós estamos em um processo aqui no estado do Amazonas de regulamentação, tanto na rede estadual quanto na municipal de ensino. Então, na calada da noite, a gente dorme, acorda e se depara com uma decisão completamente fora do que tem sido elaborado do ponto de vista educacional, tanto nas secretarias do estado quanto dos municípios. São planos que as secretarias têm que estavam em um processo de planejamento e são voltados para essa diversidade, então é completamente fora do contexto”, criticou.

Elisângela considera que, atualmente, há inúmeras barreiras políticas e ideológicas para implantação de políticas públicas inclusivas. “Nós nos deparamos todos os dias com casos inúmeros de conflitos, de preconceitos, de discriminação. E a gente precisa sim fazer a inclusão dessas temáticas, da religiosidade, a questão de gênero é extremamente importante, e quando eu falo gênero eu estou incluindo não só as mulheres, eu estou falando da população LGBT. Não adianta querer colocar essas pessoas, esconder que elas existem. Elas existem, os nossos alunos sofrem”, afirma a professora, ressaltando que esses problemas prejudicam os processos de aprendizagem desses jovens e crianças.

Membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, vinculado ao Centro de Estudos Superiores de Parintins (CESP/UEA), o professor Eliseu Souza defende que, antes de suspender, o município que não concorda com a legislação deveria encaminhar um documento pedindo esclarecimento ou propondo mudanças ao Conselho Nacional de Educação. O próprio conselho editaria um novo parecer em relação às demandas.

“Nós temos uma legislação nacional. Como vai ser desenvolvido no âmbito de cada estado é outra história. Não é retirando essas orientações que você vai resolver o problema. Então, digamos que o Amazonas vai pegar esse parecer e dizer "olha não está contemplando a questão indígena, gostaríamos que o Conselho Nacional de Educação se manifestasse sobre isso". O próprio conselho vai lá verificar e emite um novo parecer, complementando”, explicou.

Para o professor, o órgão municipal demonstra que ele deveria trabalhar para garantir a diversidade. “E quando a gente fala de inclusão, não é só colocar no calendário uma discussão, festejar, tirar foto, colocar no site. É de fato desenvolver esse trabalho com as dificuldades até mesmo de compreensão. Eu entendo que há uma dificuldade muito grande, seja para as pessoas que estão nos gabinetes e até mesmo para os educadores e educadoras que estão em sala de aula compreender essa diversidade, mas não é tirando que nós vamos resolver”, afirma.

Professor Eliseu Souza, membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

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