A obesidade como fator de risco para a doença e fator complicador de pacientes em tratamento demonstram a necessidade de medidas de prevenção A obesidade é o segundo maior fator de risco mais recorrente para 17 tipos de câncer
Folha de Pernambuco
Assim como já está bem consolidada a relação de tabagismo e determinados tipos de câncer, a obesidade ocupa o 2º lugar como fator de risco mais incidente para cerca de 17 tipos da doença, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Desta maneira, estima-se que cerca de 30% dos casos, mundialmente, estejam relacionados a este fator de risco, percentual que pode aumentar quando incluímos a população de pessoas classificadas como estando em sobrepeso.
A incidência de pessoas obesas no Brasil segue o panorama mundial de crescimento, e as estatísticas mostram que cerca de 26% da população brasileira em 2024 (cerca de 41 milhões de pessoas) estão obesas e, estima-se que, para 2035, os números chegarão a 40%.
O número de crianças e adolescentes em sobrepeso e obesidade também cresce na mesma proporção, trazendo profundas preocupações quanto ao futuro desta geração.
Trata-se, portanto, de problema de saúde pública para o qual se torna imprescindível o envolvimento da sociedade civil e dos governos. O acesso à informação é necessário, porém insuficiente para mudança de comportamentos. São necessárias medidas outras que possam permitir acesso a alimentos mais saudáveis a preços acessíveis, assim como estímulo/barateamento do acesso a atividades físicas gratuitas.
O combate ao sedentarismo com maior número de áreas equipadas e seguras para realização de atividade física gratuita, assim como a cobrança de tributações mais elevadas para produtos multiprocessados poderiam representar tais iniciativas.
Várias empresas, antenadas com os conceitos modernos de prevenção de doenças, já compreenderam a necessidade de medidas que estimulam a manutenção do peso adequado de seus trabalhadores com horários de interrupção do trabalho para realização de atividade física dentro ou fora da empresa, assim como a oferta de refeições equilibradas nutricionalmente.
A obesidade é considerada uma doença, tem Código Internacional de Doenças (CID) próprio, se reveste de caráter crônico e multifatorial. Seu tratamento exige a atuação de equipe interdisciplinar e o tratamento varia de medidas de alteração de hábitos de vida até intervenção medicamentosa e/ou cirúrgica, seguindo normatizações específicas de acordo com as subclassificações desta doença pelo Índice de Massa Corpórea (IMC). Não se trata de rotular ou discriminar pessoas que estejam acima do peso e sim conscientizar essa população sobre os malefícios da obesidade em relação a uma maior predisposição à várias doenças, desde doenças cardiovasculares (maior causa de morte no mundo) até o câncer.
Os tipos de câncer que estão associados à obesidade são: tumores de esôfago (junção gastroesofágica), tumores gástricos (principalmente na cárdia), tumores hepáticos, pancreáticos, colorretais, vesícula biliar, rins, próstata, mama em mulheres pós menopausadas, ovário, útero (endométrio), tireoide e mieloma múltiplo.
Como a obesidade atuaria para estimular o surgimento do câncer?
A obesidade atuaria como um fator promotor e não iniciador, ou seja, um fator capaz de promover a replicação de células já "danificadas". Os mecanismos envolvidos são:
por resistência insulínica, ou seja, presença de picos de insulina para tentativa;
"heroica" do organismo em metabolizar a glicose. A insulina é uma substância anabólica que promove a proliferação celular;
síntese de hormônios sexuais pelo tecido adiposo mais pronunciado pela obesidade gerando estímulo hormonal prolongado (associação com tumores ditos hormoniosensíveis como endométrio, alguns de mama e próstata);
ativação de fatores inflamatórios ditos "citocinas inflamatórias" que deixam o organismo "inflamado", mas com imunidade deprimida;
Em pacientes com diagnóstico de câncer instalado, o controle de peso é importante?
É importante a adoção de medidas para se conseguir evitar o sobrepeso/obesidade durante o tratamento oncológico, seja ele cirúrgico ou quimio/hormonioterápico ou radioterápico. Estudos robustos demonstram que o risco de complicações pós-operatórias em pacientes obesos é maior por risco potencializado de infecções pulmonares, deiscências de sutura, complicações de cicatrização além de maior chance de eventos tromboembólicos e cardiovasculares.
Da mesma forma, pacientes obesos tendem a ter mais efeitos colaterais com a quimioterapia e radioterapia, perdem mais massa muscular, se sentem mais fadigados, têm mais neuropatia, menos resposta ao tratamento, maior risco de morte, assim como maior predisposição a apresentarem recidiva do câncer e novos tumores primários.
Para tanto, é imprescindível o trabalho conjunto com a nutricionista oncológica, endocrinologista ou nutrólogo, para orientações de reeducação alimentar objetivando redução de carboidratos e redução da ingestão de produtos potencialmente carcinogênicos, como os multiprocessados.
Concomitantemente, o estímulo à atividade física com a disciplina e periodicidade adequadas, se possível com a orientação do educador físico ou fisioterapeuta, é meta a ser seguida tanto durante o tratamento oncológico quanto após o término do mesmo. Lembrando que a OMS preconiza como meta mínima de atividade física a ser realizada a marca de 150 minutos por semana. Daí temos benefícios tanto no prognóstico da doença oncológica (menor chance de recaída tumoral) como em melhor condicionamento cardiovascular e ganhos na saúde mental/qualidade de sono. A musculação adiciona ainda a possibilidade de ganho de massa muscular/óssea em detrimento da perda de gordura.
A mudança para hábitos de vida saudáveis requer trabalho árduo, algo que não pode ser "milagrosamente" atingido sem autocuidado e disciplina.
Mãos à obra!
Tatyene Nehrer de Oliveira | CRMMG 34.218 | Oncologista Clínica
Solus Oncologia
Tatyene Nehrer de Oliveira
Oncologista Clínica
CRM-MG 34.218
RQE 12913