No primeiro domingo de outubro (6), mais de 155,9 milhões de eleitores vão às urnas em 5.
No primeiro domingo de outubro (6), mais de 155,9 milhões de eleitores vão às urnas em 5.569 cidades para escolher prefeitos e vereadores. Os representantes eleitos, sejam eles para o Executivo ou o Legislativo municipal, têm importantes e específicas atribuições relacionadas ao direito à moradia.
Para entender as responsabilidades de prefeituras e câmaras municipais relacionadas à questão da habitação, a Agência Brasil conversou com a especialista em urbanismo Paula Menezes Salles de Miranda, professora no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Professora Paula Menezes Salles de Miranda é especialista em urbanismo - Fernando Frazão/Agência Brasil
Graduada em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com intercâmbio na École Nacional Supérieure d'Architecture de Versailles, na França. Paula Miranda é mestre em urbanismo pela UFRJ, na qual desenvolveu pesquisa sobre processos de autogestão habitacional no Rio de Janeiro.
A professora defende que os entes municipais sejam altivos na busca pelo direito à moradia da população, com olhar especial aos grupos mais vulnerabilizados da sociedade.
Ela falou sobre a importância da elaboração de planos diretores (diretriz de como a cidade deve ser ocupada – aprovada pelos vereadores), a criação e o desenvolvimento de áreas especiais de interesse social e sobre o combate à especulação imobiliária – a prática de comprar imóveis e terrenos com a expectativa principal de revendê-los com lucro, sem uso social.
Acompanhe os principais trechos da entrevista:
Agência Brasil: Qual a responsabilidade do poder municipal – prefeituras e câmaras de vereadores – em relação ao direito à moradia. Quais ações esses entes devem propor, garantir e articular?
A prefeitura tem responsabilidades que caminham para a garantia desse direito, como o desenvolvimento e a aplicação de legislação urbanística que promova o acesso à moradia adequada.
O desenvolvimento de plano diretor que inclua mecanismos que ampliem o acesso à terra urbanizada e aos serviços urbanos e de um Plano Municipal de Habitação que contemple programas voltados para a população de baixa renda, de diversas faixas salariais, que apresentam vulnerabilidades, inclusive para a população em situação de rua.
A partir do Plano Municipal de Habitação, deve-se promover políticas públicas e programas habitacionais voltados para a urbanização de favelas, construção de conjuntos habitacionais, aluguel social, adequação de edifícios públicos ociosos para habitação social, regularização fundiária e assessoria técnica para melhorias habitacionais.
A prefeitura também tem o papel de articular com o governo do estado e o governo federal para realização de programas habitacionais estaduais e municipais no município em questão. Além disso, é essencial promover a participação social da população nas decisões municipais.
Complexo do Alemão, zona norte da cidade do Rio de Janeiro - Tânia Rêgo/Agência Brasil
Agência Brasil: O que planos diretores (o Estatuto da Cidade obriga todos os municípios com mais de 20 mil habitantes a ter) devem levar em consideração para permitir a garantia do direito à moradia?
Algumas ações e investimentos que podem contribuir para esse objetivo são: 1) definição de áreas de Especial Interesse Social (Aeis); 2) prever algumas diretrizes como: destinação terrenos públicos e imóveis não utilizados ou subutilizados, situados em áreas dotadas de infraestrutura para habitação de interesse social; implementação de programa de aluguel social; 3) criar fundo de habitação social para arrecadar recursos para esse fim; 4) é possível criar cota de solidariedade: empreendimentos que excederem área computável de construção deverão doar área construída para habitação social; 5) indicação para criação de Plano Municipal de Habitação para atingir as diretrizes previstas no plano diretor.
Agência Brasil: O que são e qual a importância das Aeis, também conhecidas como zonas especiais de Interesse Social (Zeis)?
A criação destas áreas no planejamento da cidade pode contribuir para assegurar a permanência dos moradores no local, dificultando a apropriação destas porções do território por agentes de interesses de mercado.
Além disso, podem caminhar para a garantia de moradia digna para as pessoas a partir da organização de diretrizes para promover melhorias no território. Entretanto, é importante salientar que a criação destas áreas, por si só, não garante moradia digna e segurança de permanência dos moradores, sendo necessária uma articulação com programas municipais de regularização fundiária, além de programas para execução de melhorias urbanas, infraestruturas, novas habitações e assessoria técnica para reformas de habitações existentes.
Morro do Andaraí, na zona norte da capital fluminense - Fernando Frazão/Agência Brasil
Agência Brasil: Como a regularização fundiária contribui para garantir o direito à moradia?
A partir da regularização fundiária, o morador adquire a titularidade formal, ampliando a segurança jurídica de permanência no local. Além disso, pode ser um processo de melhoria de qualidade de vida para a população da localidade, por ser necessária a urbanização da área a partir de obras de infraestrutura, oferecimento de melhorias nas condições de moradia, das questões ambientais e de serviços públicos.
É importante que a regularização fundiária esteja integrada com políticas públicas que limitem o avanço do mercado imobiliário e aumento dos preços da área, para não gerar a expulsão dos moradores do local.
Agência Brasil: Como os entes municipais devem se comportar em relação à especulação imobiliária?
Um ponto importante é destinar terrenos municipais para interesses públicos e/ou coletivos, principalmente em lugares já com infraestruturas. Infelizmente, o que vemos em muitas cidades é a venda de terrenos públicos para o setor privado, contribuindo para a especulação imobiliária.
As Zeis/ Aeis, se bem aplicadas, podem representar um freio à pressão do mercado e à gentrificação [valorização acentuada de determinada área, que se reflete na saída de moradores antigos], pois dificultam os agentes privados acessarem os terrenos destas áreas.
O IPTU progressivo [aumento gradativo da alíquota] no tempo pode ser um instrumento que caminha nesta direção. O poder público pode notificar o proprietário para apresentar projeto de edificação no terreno ou de ocupação de construção ociosa. Não cumprida a obrigação, pode ser cobrado o IPTU progressivo até o cumprimento.