Em 16 instituições, presidente não seguiu tradição de nomear o candidato mais votado nas eleições acadêmicas. Em live do Facebook, Bolsonaro mencionou critério político para identificar 'militantes'. Universitários fazem protesto contra nomeação de reitor da UFPI, em Teresina
Arquivo pessoal
Reitores de universidades e institutos federais eleitos pelas comunidades acadêmicas e não empossados pelo presidente Jair Bolsonaro escreveram uma carta aberta para criticar a conduta "antidemocrática" do Ministério da Educação (MEC).
Pela Constituição, desde 1996, a instituição de ensino deve encaminhar ao presidente da República uma lista com os três candidatos à reitoria mais votados internamente. Por tradição, o presidente da República formaliza a escolha do primeiro nome.
Ao longo de seu mandato, no entanto, Bolsonaro nomeou 16 reitores que não foram os eleitos pela comunidade. Na Universidade Federal do Piauí (UFPI), por exemplo, o presidente escolheu o segundo mais votado. Já no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), ele empossou um reitor temporário.
Estudantes universitários fazem protesto contra nomeação de reitor da UFPI, em Teresina
"Realmente, para que serve um processo eleitoral de grandes proporções, envolvendo milhares de servidores e estudantes em dezenas de cidades, se o seu resultado não for integralmente respeitado? A prática da democracia seria apenas uma mera formalidade na visão de nossos representantes políticos?", afirmam os signatários da carta aberta.
No dia 26 de novembro, Bolsonaro afirmou, em live do Facebook, que não quer "interferir politicamente em lugar nenhum", mas que verifica os nomes das listas encaminhadas pelas universidades e detecta candidatos "militantes".
"Mas o que é comum chegar na minha mesa: lista tríplice! Daí a gente pesquisa a vida da pessoa, pessoas trazem informações, chega na nossa frente, chega, daí chega a informação: esse cara é do PSOL, esse outro é do PT, esse outro é do PCdoB. A gente não deve escolher ninguém por questão ideológica, mas a gente vê que são militantes e qualquer um que você escolhe, nesse quesito, se bem que esse não é o critério mais adequado para se excluir ou não alguém dessa lista, mas (inaudível) isso compromete!”, disse.
A carta dos reitores responde à observação do presidente. "A intervenção nas instituições federais de ensino e a indicação de reitores biônicos remontam aos tempos da Ditadura Militar no Brasil e não são aceitáveis no Estado Democrático de Direito, conquistado a partir de duras lutas políticas e sociais", afirma o texto.
O G1 questionou o MEC sobre os critérios adotados pelo governo, mas não recebeu resposta até a última atualização da reportagem.
UNE critica Bolsonaro
A União Nacional dos Estudantes (UNE) afirma que a carta dos reitores é "um marco para denunciar os ataques à democracia".
"As intervenções do presidente atacam a autonomia universitária e prejudicam a proposta de construção de conhecimento plural das universidades. O efeito, portanto, será devastador para a pesquisa e para a educação brasileira", diz Iago Montalvão, presidente da UNE.
Questão é levada ao STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) julga, no plenário virtual, uma ação do Partido Verde que questiona a escolha de reitores e vice-reitores nas instituições de ensino federais. Segundo o PV, o governo tem desrespeitado a autonomia universitária ao nomear candidatos sem seguir critérios científicos.
O ministro Edson Fachin votou no dia 9 de outubro. Segundo ele, o escolhido deve ser o primeiro colocado na lista tríplice das universidade, sem atender a "agendas políticas".
Não há data para o encerramento da votação.
OAB defende nomeação dos mais votados
Em novembro, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirmou ao STF que o presidente Jair Bolsonaro deveria nomear para as reitorias das instituições federais apenas os primeiros nomes da lista tríplice - ou seja, os mais votados nas eleições acadêmicas.
A entidade pediu ainda que fossem anuladas as nomeações que não respeitaram o critério de votação.
PGR critica autonomia das universidades
Em resposta à OAB, a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirmou ao STF, em parecer, que o presidente da República não pode ser obrigado a escolher, como reitores, os primeiros colocados nas listas tríplices elaboradas pelas universidades federais.
Para o procurador-geral da República, Augusto Aras, a autonomia universitária prevista na Constituição "não equivale à concessão de independência ou soberania a essas instituições".
"Impor ao Presidente da República a escolha do nome que figure em primeiro lugar na lista elaborada para a escolha de autoridades reduziria sua atuação à simples homologação de eleições realizadas pelos órgãos interessados e equivaleria à subtração de prerrogativa presidencial expressamente prevista na Constituição Federal", afirmou.