Na última segunda-feira, um episódio surpreendeu o Brasil e o mundo: a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de impedir a importação da vacina russa Sputnik V, minutos depois da aprovação por parte do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Segundo os diretores da Anvisa, a substância adotada na Sputnik conteria um agente replicante do vírus, com o risco potencial de contaminar quem a recebe por via intramuscular.
Seria um erro, um erro monumental cometido pelos melhores cientistas russos. Estarrecedor. A Rússia teria, pois, a ousadia de fraudar milhões de pessoas, expondo-as ao contágio, tentando fazer de bobo o mundo inteiro?
Esse disparate estaria ocorrendo depois de meses de testagem, de uso, de aprovações de várias agências internacionais. Claro que, apesar de improvável, é possível que o veredito unânime de cinco conselheiros da Anvisa esteja certo. O órgão assume ter encontrado o que ninguém viu antes pelo mundo afora.
Um país, o nosso, que não conseguiu até agora desenvolver a sombra de uma vacina ou apresentar um protocolo singelo de profilaxia, sabe, entretanto, gerar situações inusitadas por meio da Anvisa, como as restrições à popular e econômica ivermectina (que deu Prêmio Nobel aos seus inventores), substância anteriormente de venda livre. Há sempre um viés, uma cautela “em nome da ciência”, que surge para subverter a lógica mais consolidada.
Basta apelar a situações improváveis e extremas para encontrar danos à saúde até em água? Basta esquentá-la, que será capaz de queimar.
Podemos descartar categoricamente que no setor de saúde existam mimos e favores de laboratórios com peso nas decisões da Anvisa?
A “ciência” é um pretexto frequente de covardias e interesses inconfessáveis. Enquanto isso, ninguém vê, no setor de saúde, lobbies poderosos e financiamentos eleitorais institucionalizados há décadas. O Congresso Nacional desconhece, a bancada da saúde é cega, surda, entretanto grita em favor de laboratórios.
A notícia da reprovação da Anvisa está percorrendo o mundo, humilhou o esforço, a seriedade dos cientistas russos que desenvolveram a Sputnik. E qual será o prejuízo da Anvisa? Nada; se tiver irresponsabilidade de alguns desconhecidos, ficará por isso mesmo. O prejuízo provocado pela decisão da Anvisa, apenas no Brasil, remonta de imediato ao cancelamento de compras de 60 milhões de doses já contratadas, ou R$ 3,4 bilhões de uma receita, que passa, assim, a brindar outros laboratórios. Isso gera, infelizmente, o atraso de alguns meses na imunização de 30 milhões de brasileiros, quer dizer, mais alguns milhares de mortos no genocídio em curso.
Sair da pandemia tem valor estratégico, como está se revelando para os países que conseguiram imunizar rapidamente sua população. A China apresentou, no primeiro trimestre de 2021, estonteante crescimento de PIB de 18,3%, açambarcando um mercado mundial devastado pelo efeito prolongado da Covid-19. Logo a China se firma, dessa forma, como a grande vencedora, embora provocadora, da maior crise econômica dos últimos 70 anos.
Depara-se com outra situação gritante: a fabricante da Sputnik, o laboratório Gamaleya, não tem uma relação tradicional com a Anvisa, nada parecido com a relação de Pfizer, Johnson e Johnson, Moderna e laboratórios chineses. Ainda não é “freguês”.
Mas tudo isso tem por trás um mal, um vício nacional que tem o nome de “empoderamento dos entes públicos e congêneres”. Gerar poder, autonomia decisional e irrevogável, equivale a uma indústria de dificuldades, que dá o poder de vender facilidades.
Dessa forma, o Brasil, depois do mensalão e do petrolão (que foi anulado!), se ergue como o país que requer a quem aparece, seja cidadão ou empresas, um esforço hercúleo, medido em 2.500 horas de trabalho extra por ano, para vencer os empoderamentos, ou abuso de prerrogativas, a burocracia e as prevaricações de quem tem o dever de servir o cidadão. Ao contrário, dele se serve despudoradamente.