Maior alta nas vendas ocorreu com a ivermectina, medicamento usado para tratar doenças com parasitas, como piolho, e que não precisa de receita médica. Kit Covid: vendas de Ivermectina aumentam 857% em um ano
A venda de medicamentos do chamado “kit Covid”, que não tem eficácia contra o coronavírus e oferecem riscos, dispararam durante a pandemia, assim como os casos suspeitos de intoxicação por esses remédios. Os números são de um levantamento obtido pela Globonews junto ao CFF (Conselho Federal de Farmácia) e ao Datatox - que reúne dados de 32 Centros de Informação de Assistência Toxicológica no Brasil.
O CFF contabilizou o número de remédios vendidos nos 12 meses entre abril de 2020 e março de 2021 e comparou esses dados com os mesmos períodos de anos anteriores. A maior alta nas vendas ocorreu com a ivermectina, medicamento usado para tratar doenças com parasitas, como piolho, e que não precisa de receita médica.
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Entre abril de 2018 e março de 2019, foram vendidas 7,6 milhões de unidades de ivermectina. De abril de 2019 a março de 2020, 8,5 milhões – aumento de 11% em relação ao ano anterior. Já no primeiro ano da pandemia, entre abril de 2020 e março de 2021, o crescimento foi de 857% na comparação com o mesmo período do ano anterior, totalizando 81 milhões de unidades vendidas – o equivalente a quase 40% da população brasileira.
Há relatos de pacientes que tomaram ivermectina para se prevenir da Covid e acabaram tendo problemas graves no fígado. Especialistas têm alertado para o risco de hepatite medicamentosa para quem faz o uso indiscriminado da ivermectina.
Hidroxicloroquina
Em relação à hidroxicloroquina, foram 913 mil unidades vendidas entre abril de 2018 e março de 2019 e 1,1 milhão no ano seguinte, aumento de 23%. Na pandemia, o crescimento nas vendas foi de 126%, chegando a 2,5 milhões de unidades comercializadas.
O maior estudo até agora sobre a hidroxicloroquina no tratamento para a Covid foi publicado no mês passado na revista Nature. O estudo envolveu mais de 100 cientistas de diversos países, que analisaram 28 ensaios sobre o uso da cloroquina em pacientes com o coronavírus.
A conclusão é que o uso da medicação está associado ao aumento de mortes de pacientes. Entre os efeitos colaterais da cloroquina, estão arritmia cardíaca, insuficiência renal e complicações no sistema digestivo.
Azitromicina e flutamida
Segundo o CFF, foram vendidas 21,4 milhões de unidades de azitromicina entre entre abril de 2018 e março de 2019. O número subiu para 24,5 milhões no ano seguinte (aumento de 23%) e chegou a 41,8 milhões na pandemia (alta de 71%).
O levantamento ainda constatou um incremento nas vendas da flutamida, um remédio indicado exclusivamente para homens para tratamento do câncer de próstata. Neste ano, médicos e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro compartilharam nas redes sociais informações falsas de que o uso da flutamida é capaz de curar a Covid. Não há qualquer estudo científico publicado que indique essa conclusão;
Entre abril de 2018 e março de 2029 foram vendidas 2.147 unidades de flutamida. De abril de 2019 a março de 2020, 2.145. Já de abril de 2020 a março de 2021, o número subiu para 3.120, aumento de 45%.
A flutamida era usada também para o tratamento de acne, mas em 2004 a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) emitiu um alerta orientando a prescrição apenas para homens, no tratamento de câncer de próstata, após o registro de quatro mortes de mulheres que usavam a medicação por hepatite fulminante.
“Todas as vezes que se opta pelo uso off label (sem indicação) dos medicamentos, esse uso representa um risco a mais para quem usar o medicamento, haja visto que o uso off label não está baseado em evidências conclusivas sobre a segurança e sobre o benefício no uso dos medicamentos. A posição do conselho é sempre no sentido de priorizar o uso racional, com qualidade, o uso seguro de medicamentos. E o uso que signifique, numa relação de risco e benefício, o benefício máximo para o paciente”, afirmou o farmacêutico Wellington Barros, consultor do Conselho Federal de Farmácia.
Suspeitas de intoxicação
Os casos de exposição indevida, incluindo suspeitas de intoxicação, envolvendo medicações do kit covid também acompanharam o aumento das vendas desses remédios.
Um levantamento feito no Datatox, que reúne informações dos 32 CIAToxs (Centros de Informação e Assistência Toxicológica) espalhados pelo país, mostra que foram 152 relatos de exposição à ivermectina em 2020, contra 35 em 2019, um aumento de 310%.
Os números incluem relatos de efeitos colaterais, superdosagem e de uso acidental de crianças que ingeriram a medicação
Em relação à hidroxicloroquina, o crescimento no período foi de 240%, de cinco em 2019 para 17 casos em 2020. Três dos episódios envolvem crianças de um a quatro anos de idade.
Descarte
Outra preocupação do Conselho Federal de Farmácias, atrelada ao aumento da venda das medicações, é o descarte desses produtos. O consumo de azitromicina gerou 21 toneladas de lixo na pandemia, segundo os cálculos da entidade. Já as embalagens e os comprimidos da hidroxicloroquina geraram mais de uma tonelada de resíduos e, no caso, da ivermectina, foram 486 quilos ao longo da pandemia.
O CFF criou uma ferramenta para indicar ao público os locais para fazer o descarte adequado das medicações. A plataforma também é aberta para que farmácias que fazem esse descarte incluam suas dados.
Wellington Barros alerta para o risco de o descarte inadequado estimular novas cepas de doenças.
“Uma das consequências da pandemia no descarte dos medicamentos e que nos preocupa diz respeito ao adequado destino que deve ser dado a medicamentos, como, por exemplo, antimicrobianos, que tiveram um aumento nas vendas, no consumo, nesse período de pandemia. A azitromicina, por exemplo, o risco do descarte inadequado pode provocar um impacto preocupante em termos de saúde pública porque eles podem colaborar para seleção de cepas multirresistentes, o que aumenta o risco de um problema de saúde pública, que é o problema da resistência microbiana.”
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