Projeto também deixa de priorizar comunidades quilombolas e indígenas e cria "cota" para compra de leite na forma líquida. Texto ainda terá de ser apreciado pelo Senado. A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (6) um projeto de lei que retira a prioridade de assentamentos da reforma agrária e comunidades indígenas e quilombolas no fornecimento de alimentos da merenda escolar.
Todos os chamados "destaques" (propostas de alteração do texto) foram rejeitados. Com a aprovação, o texto seguirá para apreciação do Senado — se aprovado, entrará em vigor 90 dias após a publicação.
O autor da proposta é o deputado Vitor Hugo (GO), líder do PSL na Câmara, ex-líder do governo e um dos principais defensores do presidente Jair Bolsonaro no Congresso.
A aquisição dos alimentos da merenda escolar é feita com recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), pelo qual o governo federal direciona recursos suplementares a estados, municípios e escolas federais para auxiliar na compra da merenda escolar. A verba é proveniente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Atualmente, a legislação define que pelo menos 30% da merenda adquirida com recursos do PNAE venham diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de organizações, priorizando os assentamentos de reforma agrária, comunidades e comunidades quilombolas.
O projeto aprovado mantém o percentual para todas as categorias, inclusive para os assentamentos e para as comunidades, mas retira da redação a prioridade a estes últimos.
A lei atual também prevê, como diretriz da alimentação escolar, o apoio ao desenvolvimento sustentável, “com incentivos para a aquisição de gêneros alimentícios diversificados, produzidos em âmbito local e preferencialmente pela agricultura familiar e pelos empreendedores familiares rurais, priorizando as comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos”.
Outra mudança no projeto é retirar da diretriz a prioridade para as comunidades — colocando os grupos como preferência junto das demais categorias citadas.
Produtores rurais de Araguaina (TO) que produzem alimentos destinados à merenda escolar
Reprodução/TV Anhanguera
Debate entre deputados
Ao defender a mudança, o relator da matéria, deputado Carlos Jordy (PSL-RJ), disse não ver "fundamento constitucional que justifique um tratamento menos favorável ao pequeno produtor rural quando comparado a comunidades indígenas e de remanescentes de quilombos”.
A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) criticou a alteração.
“Tira a palavra ["prioridade"] justamente para liquidar e para dificultar a aquisição desse tipo de produto das comunidades mais empobrecidas e vulneráveis do nosso país, inclusive dos pequenos agricultores. Esse projeto pode levar à concentração”, disse.
O projeto também determina que 40% da compra de leite para merenda escolar seja feita na modalidade líquida.
Nesse caso, a aquisição deve ser feita em laticínios locais registrados, com a possibilidade de dispensa de licitação quando os preços forem compatíveis com os do mercado local.
Críticos da matéria dizem que o texto, ao criar uma espécie de cota no PNAE, tira a autonomia de estados e municípios. Os que defendem argumentam que a proposta valoriza o pequeno produtor de leite local.
Pelo texto, se não for possível comprar o leite líquido e em laticínios locais ou em município próximo, o produto pode ser adquirido em pó, desde que produzido no Brasil e com matéria-prima nacional. Fica proibida a compra em estabelecimentos responsáveis apenas pela manipulação e embalagem do produto.
O Poder Executivo deve regulamentar a proposta, e o percentual mínimo pode ser dispensado em algumas situações, por exemplo na impossibilidade de emissão de documento fiscal ou em condições sanitárias inadequadas.
O texto também prevê que, para receberem recursos, estados e municípios devem instituir Conselhos de Alimentação Escolar (CAE), órgãos colegiados de caráter fiscalizador, permanente, deliberativo e de assessoramento.
Atualmente, a legislação prevê a criação dos conselhos, mas não condiciona o recebimento dos recursos a isso.
Outra mudança prevista no relatório é a possibilidade de se introduzir, "paulatina e respeitosamente, experiências gustativas que aumentem a qualidade do cardápio" na merenda.
A presidente da Comissão de Educação, deputada Professora Dorinha Seabra (DEM-TO), criticou a redação e pediu o adiamento da votação. Segundo a deputada, o projeto “invade espaços de autonomia dos municípios”.
"Em muitas cidades, a merenda é escolarizada, a escola compra diretamente o alimento. Não é verdade que a gente está dando toda a liberdade [para a compra], ao contrário", diz.
“A escola define com base na nutrição seu cardápio, como vai atender. Não é verdade que basta escolher o leite. Se vai comprar leite, vai ter que comprar fluido, e o leite vai deixar de ser adquirido por muitas escolas e municípios.”
O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) diz que, ao colocar a obrigatoriedade de 40% do leite na forma líquida, o projeto pode acabar tendo efeito negativo, fazendo com que os gestores evitem comprar o alimento.
"Quando coloca que 40% da compra de leite terá que ser feita obrigatoriamente do leite líquido, o que vai acontecer é que o gestor vai parar de comprar leite porque ele não vai conseguir, a uma preço razoável do seu orçamento curto, comprar um leite nas condições que vossa excelência está colocando, e [o gestor] não vai querer incorrer no risco de ferir uma legislação. Então vai parar de comprar leite", argumentou.
Autor da proposta, o deputado Vitor Hugo (PSL-GO) contestou as críticas.
"A nossa intenção é justamente garantir para as nossas crianças, no Brasil inteiro, uma alimentação mais saudável a partir da garantia de um percentual de leite fluído no percentual de leite que os prefeitos e os nutricionistas decidirem adquirir", disse.
"E é importante que os produtores de leite, que hoje sofrem muito com a imprevisibilidade do quanto vão receber pelo litro de leite que produzem e quando, tenham uma maior estabilidade nas relações."
VÍDEOS: notícias de educação