A vacina Pfizer/BioNTech reduz os casos de covid em cerca de 95% das pessoas imunizadas, mas acarreta efeitos colaterais bastante comuns, incluindo dor no local da injeção, dor de cabeça e calafrios. Há também riscos às pessoas com alergias graves, e duas delas desenvolveram reações no Reino Unido. Mulher segura frasco rotulado como de vacina contra Covid-19 em foto de ilustração.REUTERS/Dado RuvicEm qualquer discussão sobre se uma vacina é segura, há um dado que vale a pena ter em mente: 1 em 850.Cerca de 1 em cada 850 habitantes do Brasil já morreu de uma doença respiratória grave durante a pandemia de Covid-19 em 2020, um patamar 20 vezes maior do que em 2019. Esta é a ameaça conhecida da doença em relação à qual todos os riscos de medicamentos e vacinas devem ser analisados.Na medicina, há uma importante diferença entre "seguro" e "inofensivo" e também entre "risco" e "arriscado". E sempre existe algum tipo de risco envolvido em vacinas.Até agora, duas pessoas no Reino Unido que receberam a vacina da Pfizer/BioNTech contra o coronavírus tiveram reações alérgicas. Médicos afirmam que elas tiveram uma reação anafilactoide, que tende a envolver erupção na pele, falta de ar e, às vezes, queda da pressão arterial. Isso não é a mesma coisa que anafilaxia, que pode ser fatal. Ambas são funcionários do NHS (o SUS britânico), têm histórico de alergias graves e carregam sempre canetas de adrenalina.Peter Openshaw, professor e especialista em imunologia do Imperial College London, disse: "O fato de descobrirmos tão precocemente essas duas reações alérgicas e de o órgão regulador britânico ter agido logo sobre isso ao emitir um veto à vacina para pessoas com alergias graves mostra que o sistema de monitoramento está funcionando bem."Então, o que significa dizer que as vacinas contra Covid-19 são "seguras" para uso?"Se você pensa em absolutamente nenhum efeito adverso, então nenhuma vacina e nenhum remédio serão "seguros" nesse sentido. Todo medicamento eficaz tem efeitos indesejados. Então, quando falamos que é "seguro", falamos do peso dos efeitos indesejados em comparação com o benefício é muito claramente a favor do benefício", explica Stephen Evans, professor da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. O órgão regulatório do Reino Unido, o MHRA (uma espécie de Anvisa), decidiu que a vacina da Pfizer/BioNTech atingiu esse patamar citado por Evans. E as exigências feitas em relação a vacinas são enormes.Alto nível de exigênciaHá alguns medicamentos que acarretam consequências realmente brutais no corpo, mas ainda assim são aprovadas porque avaliou-se que o benefício compensa o risco. O tratamento de quimioterapia, por exemplo, tem uma lista enorme de efeitos danosos ao corpo, como exaustão, perda de cabelo, anemia, infertilidade e problemas de memória e de sono. No entanto, quando os pacientes estão lidando com uma eventual morte por um câncer terminal, ninguém questiona os medicamentos usados.Outros podem ter efeitos colaterais graves que são incrivelmente raros. O analgésico ibuprofeno, que quase todos nós temos em casa e tomaríamos sem hesitar, pode causar sangramento e formar buracos no estômago e nos intestinos, dificuldade para respirar e danos aos rins.Os riscos existem, mas são amplamente superados pelos benefícios."O conceito de "seguro" não é uma coisa absoluta, é "seguro" no contexto de cada uso", explica Evans.A principal diferença com as vacinas é que elas são administradas a pessoas saudáveis e isso muda drasticamente o equilíbrio. Ou seja, qualquer risco envolvido na aplicação precisa necessariamente ser muito pequeno.Uma decisão de 10 mil páginas Os órgãos reguladores no Reino Unido tomaram a decisão de autorizar a distribuição da vacina contra Covid-19 baseados em muito mais informações do que vieram a público, geralmente em forma de comunicados à imprensa.Não há jeito de esconder qualquer coisa nesse processo. Se houver algum problema ligado à segurança da vacina ou mesmo lacunas, os reguladores vão enxergá-los. Os fabricantes da vacina precisam entregar todos os dados ligados aos estudos em laboratório, estudos em animais, os testes de segurança de fase 1, os testes de dosagem de fase 2 e as informações sobre a fase 3, onde se determina se o imunizante funciona e se é seguro."Isso totaliza pelo menos 10 mil páginas de informações", explica Evans, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.A vacina Pfizer/BioNTech reduz os casos de Covid em cerca de 95% das pessoas imunizadas, mas acarreta efeitos colaterais bastante comuns, incluindo dor no local da injeção, dor de cabeça, calafrios e dores musculares. Isso pode afetar mais de 1 em cada 10 pessoas.Todos esses são sinais do sistema imunológico entrando em ação e podem ser controlados com paracetamol, por exemplo.Segundo dados da US Food and Drug Administration (FDA, uma espécie de Anvisa dos Estados Unidos), os estudos com a vacina da Pfizer/BioNTech apontaram que no grupo de pessoas que desenvolveram algum efeito colateral foram registrados dor no braço (84%), cansaço (63%), dor de cabeça (55%), dor muscular (38%), calafrio (32%) e febre (14%). “A vacina de RNA (como a da Pfizer/BioNTech) para a Covid já foi testada em mais de 70 mil pessoas nos ensaios clínicos de fase 3. Os efeitos adversos mais sérios observados são dor moderada/intensa no local de aplicação e febre. Pode ser que ocorra um efeito adverso raro (por exemplo, 1 em 1 milhão) que não foi detectado em fase 3? Sim. Mas o acompanhamento dos vacinados para efeitos adversos continua depois da aprovação. Será a fase 4. Resumindo: até o momento, não há nenhuma indicação que as vacinas de mRNA não sejam seguras. Eu tomaria essa vacina e a aplicaria no meu filho, o meu bem mais precioso”, afirmou a médica epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas.Em relação à vacina em desenvolvimento pela Universidade de Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca, nenhum evento adverso grave ou morte foram associados à aplicação da vacina ChAdOx1 nCoV-19. Dos 175 eventos graves do tipo que ocorreram durante os estudos, apenas dois foram inicialmente associados à aplicação da vacina. Um deles inclusive levou à paralisação dos estudos em setembro, até que um comitê independente avaliasse a relação de causa e efeito entre a vacina e o efeito adverso (um quadro de mielite transversa, uma espécie de inflamação na medula). Dias depois, a Anvisa autorizou a retomada dos estudos no Brasil porque “concluiu que a relação benefício/risco se mantém favorável”.O segundo caso foi em um paciente que desenvolveu febre acima de 40ºC depois de receber a primeira dose, mas não teve o mesmo quadro na segunda dose. Ainda não foi revelado se esse paciente pertence ao grupo que recebeu a vacina de verdade ou àquele que recebeu a dose placebo. Essa divisão dos participantes é feita nos estudos para determinar eficácia e segurança sem qualquer viés."Os profissionais do MHRA (a Anvisa britânica) são muito experientes, podemos ficar tranquilos se o regulador disser que os benefícios claramente superam os riscos, que deveria ser o objetivo de tudo", afirma Penny Ward, professora e pesquisadora do King's College London e da Faculdade de Medicina Farmacêutica.Problemas mais rarosÉ sempre possível que as vacinas tenham consequências para a saúde que ainda não ficaram claras.Existem dados disponíveis sobre ao menos 20 mil pessoas que foram imunizadas no estudo da Pfizer/BioNTech, 15 mil na vacina Moderna e 10 mil para a desenvolvida por Oxford/AstraZeneca.Isso é o suficiente para mostrar que as vacinas funcionam e detectar problemas comuns. Mas esses estudos podem não conseguir captar algo que afeta 1 em cada 50 mil pessoas que são imunizadas, por exemplo.“Se o efeito colateral for extremamente raro, você nem sempre consegue identificá-lo antes de uma autorização, e precisaria avaliar antes milhões de pessoas”, explica Ward.Isso é verdadeiro para todas as vacinas aprovadas. Não é um problema único ou novo com os imunizantes contra a Covid-19.A vacina da gripe sazonal foi associada a uma chance de 1 em 1 milhão de desenvolver a síndrome de Guillain-Barré, mas o próprio vírus da gripe causa mais casos do que isso. E cerca de 1 em 900 mil pessoas tem reações alérgicas graves, conhecidas como anafilaxia, a uma vacina."Muitos de nós não pensamos duas vezes antes de dirigir para algum lugar, mas o risco de um acidente de carro é muito maior do que os efeitos graves de uma vacina", afirma Ward.Não caia em notícias falsasO perigo em torno do debate sobre efeitos colaterais é que as pessoas presumem erroneamente que problemas de saúde que acontecem por coincidência foram causados ??pela vacina.É fácil prever que haverá histórias assustadoras nos próximos meses: seja na imprensa ou nas redes sociais, com origens equivocadas ou simplesmente maliciosas.Mas a verdade é que as pessoas ficam doentes o tempo todo. A cada 5 minutos no Reino Unido, uma pessoa tem um ataque cardíaco e uma pessoa tem um derrame. Mais de 600 mil pessoas morrem por ano.Haverá casos em que um dia alguém receberá a vacina, logo depois, terá um sério problema de saúde que teria acontecido mesmo se não tivesse sido imunizada.“Podemos ver coisas que acontecem por infeliz coincidência”, alerta Ward, do King's College London e da Faculdade de Medicina Farmacêutica.Há uma ameaça real de repetição de erros cometidos quando a vacina MMR (sarampo, caxumba e rubéola) foi falsamente associada ao autismo e levou a uma queda no número de crianças imunizadas.É por isso que você precisará manter a cabeça no lugar enquanto o programa de vacinação avança pelo mundo.E é por isso que a segurança das vacinas é monitorada muito depois de uma delas ser aprovada para ver se há algum problema de saúde desconhecido. A Anvisa britânica, por exemplo, tem um programa para registro de problemas pelos pacientes e monitora dados anônimos de consultórios médicos em busca de quaisquer sinais de alerta ligados à vacina.*Com informações adicionais de Nick Triggle e Rachel Schraer, da BBC News, e Matheus Magenta, da BBC News Brasil.VÍDEOS: veja novidades sobre vacinas contra a Covid-19