O disco '#PartiuZePelintra' reapresenta o repertório do artista paulistano com elenco que inclui Gilberto Gil, Fabiana Cozza, Fafá de Belém, Zeca Baleiro, Ná Ozzetti, Mateus Aleuluia, Zélia Duncan e Leila Pinheiro. Capa do álbum '#PartiuZePelintra – Tributo a Germano Mathias'
Arte de Elifas Andreato
Resenha de álbum
Título: #PartiuZePelintra – Tributo a Germano Mathias
Artistas: Germano Mathias e convidados
Edição: Edição independente / Tratore (distribuição)
Cotação: * * * 1/2
? “Ai, que saudade da batucada feita na lata de graxa”, admite Maucha Adnet, no verso final de Lata de graxa, samba que integra o repertório do álbum #PartiuZePelintra – Tributo a Germano Mathias, orquestrado por Manu Lafer e lançado em 2 de junho, inclusive no formato de CD, com capa assinada por Elifas Andreato.
Embora apresentado em 1954 nas vozes do grupo Vagalumes do Luar, o samba de Mário Vieira e Geraldo Blota ficou primordialmente associado a Germano Mathias desde que foi gravado em 1958 por esse cantor, compositor e ritmista paulistano. Até porque Lata de graxa alude à marca registrada do artista.
Ao iniciar a trajetória profissional em 1955, Germano Mathias despertou atenção por marcar o ritmo do samba em lata de graxa herdada dos engraxates com quem convivia na Praça da Sé, cartão postal de São Paulo (SP), cidade natal deste cantor de 87 anos completados em 2 de junho, dia do lançamento deste tributo fonográfico que reúne Anastácia, Carlinhos Vergueiro, Fabiana Cozza, Fafá de Belém, Gilberto Gil, Graça Braga, Leila Pinheiro, Luiz Tatit, Mateus Aleluia, Ná Ozzetti, Zeca Baleiro e Zélia Duncan, entre outros nomes.
Com regravações reverentes do repertório de Mathias, o disco foi formatado entre novembro e dezembro de 2020 com produção musical e arranjos de Swami Jr. no estúdio paulistano Space Blues, com registros adicionais feitos em outros estúdios.
Identificado como “O catedrático do samba” no universo musical brasileiro, Germano Mathias continua em atividade e, inclusive, participa do tributo #PartiuZePelintra. Mathias abre o disco com regravação de Malandro de araque (Rafael Gentil e F. M. Cabral, 1959) – samba que lançou há 62 anos – e se junta a Zeca Baleiro e a Manu Lafer, no fecho do álbum, para cantar Malandro não vacila (2014), composição mais recente, de autoria do próprio homenageado, lançada há sete anos.
Entre os dois sambas que versam sobre a malandragem, Mathias ainda cai no suingue caribenho de Porto Rico (Caco Velho e Heitor de Barros, 1950) em gravação feita com Manu Lafer, a cantora espanhola Irene Atienza e o toque ruralista da viola de Neymar Dias.
Germano Mathias (à esquerda) com Manu Lafer, idealizador do disco, que tem faixas de acento nordestino
Rosana Naggar / Divulgação
O tributo ao sambista agrega artistas de estilos distintos, nem todos associados ao samba. As cantoras paraenses Fafá de Belém e Leila Pinheiro, por exemplo, revivem Bacharel da gafieira (Conde, 1968) e Regenerado (Zé Kétti, 1968), respectivamente.
Nomes associados à vanguarda paulista da década de 1980, Ná Ozzetti e Luiz Tatit se unem com destreza em Não tenho sorte (Tóbis, 1968), samba do repertório do álbum O catedrático do samba (1968), um dos títulos mais importantes da discografia de Germano Mathias. O tincoã baiano Mateus Aleluia faz Requebrado diferente (Jorge Costa e Luiz Wanderley, 1962).
Artista que já dividiu álbum com Mathias, Antologia do samba-choro (1978), Gilberto Gil perfila Amigo do garfo (Manu Lafer, 2005) com rouquidão – em gravação produzida por Bem Gil, também convidado da faixa em que toca baixo, guitarra e percussão – enquanto Fabiana Cozza reapresenta Metamorfose (Germano Mathias, 2014) como legítima dama do samba de São Paulo. Com a mesma propriedade, Graça Braga encara Nega Dina (Zé Kétti, 1965).
Fora do universo do samba de síncopes acentuadas, tônica do repertório de Germano Mathias, Anastácia e Zeca Baleiro revisitam Serra da Coirana (Onildo Almeida e Déo do Baião, 1963), deslocando o disco #PartiuZePelintra para território rural da nação nordestina entre os toques da viola de Neymar Dias e da guitarra de Luiz Carlini, cereja que também adorna a regravação do baião Eu vou te pegar (Manu Lafer, 2014), outra faixa de acento nordestino, feita com a voz de Verônica Ferriani.
Contudo, é mesmo no terreiro do samba sincopado que o tributo #PartiuZePelintra baixa de forma recorrente, geralmente descendo bem, como exemplifica o registro sedutor de Os vidrados (Germano Mathias, 2016) pela dupla formada por Carlinhos Vergueiro com Chico Médico.
Nesse universo, Zélia Duncan se movimenta com naturalidade na regravação de Seu cochilo (Germano Mathias, 1971). Mariana Bernardes também segura bem Barra pesada (Padeirinho e Moacyr da Mangueira, 1960), samba que exemplifica o poder de sedução do repertório pouco revisitado de Mathias e que também representa o período em que o bamba paulistano viveu na cidade do Rio de Janeiro (RJ).
Até pela alta qualidade do repertório, o tributo #PartiuZePelintra – disco de título alusivo ao fato de Germano Mathias ter também incorporado a personagem de Zé Pelintra, entidade da umbanda – presta bom serviço à memória musical brasileira.