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Vacinação lenta não zera pandemia: veja o que dados de Chile, Uruguai, EUA e Israel ensinam para o Brasil

Por Redação

26/06/2021 às 11:34:42 - Atualizado há
Dados de mobilidade e vacinação nesses quatro países mostram que, junto com uma cobertura vacinal rápida e alta, a redução da circulação de pessoas influencia diretamente a situação da pandemia. Pessoas circulam pela estação da Luz, em São Paulo, no dia 4 de março. Especialistas recomendam o uso das máscaras do tipo PFF2 em locais fechados, mal ventilados e com aglomerações – como o transporte público.

Amanda Perobelli/Reuters

Os ritmos de vacinação, as taxas de mobilidade e as curvas de casos e mortes por Covid-19 colocam em lados opostos a dupla sul-americana Chile e Uruguai e os parceiros Estados Unidos e Israel.

As realidades desses quatro países, como mostram dados que você verá nesta reportagem, apontam que, para ser efetiva, a vacinação contra a Covid precisa ser rápida e acompanhada de restrição de movimento.

O que diferencia, por exemplo, as coberturas vacinais do Chile e dos EUA – que, percentualmente, são próximas? Por que o Chile e o Uruguai viram aumento na vacinação e nos casos e mortes, enquanto os EUA aumentaram a vacinação com menos infecções e óbitos? O que tornou Israel um exemplo de sucesso?

Como esses países se comparam ao Brasil – inclusive considerando que há diferença nas vacinas usadas?

Entenda, em tópicos, a relação entre mobilidade, velocidade de imunização e cobertura vacinal nesses países e como eles podem inspirar estratégias brasileiras:

Velocidade no início: EUA x Chile

Mobilidade: Chile x EUA

Casos e mortes: Chile e EUA

Uruguai e Chile: semelhanças

Israel: lockdown e vacinação recorde

Efetividade das vacinas

E o Brasil?

1) Velocidade no início: EUA x Chile

Os Estados Unidos e o Chile começaram as campanhas de vacinação em datas próximas: os EUA, no dia 14 de dezembro, e o Chile, o primeiro da América do Sul, no dia 24.

Em 1º de março, cerca de dois meses e meio após o início da vacinação, os Estados Unidos já tinham 7,6% da população vacinada, segundo o levantamento do "Our World in Data", ligado à Universidade de Oxford.

Na mesma data, o Chile, que havia iniciado a campanha dois meses antes, tinha vacinado 0,3% de seus habitantes:

Gráfico mostra percentual da população completamente vacinada contra a Covid-19 em Chile e EUA até 1º de março de 2021.

Amanda Paes/G1

(A população americana é de cerca de 330 milhões; a chilena, de 19 milhões, ou seja: em teoria, deveria ser mais fácil para os chilenos alcançarem uma alta porcentagem de cobertura vacinal mais rápido).

A diferença de cobertura entre os dois países vai diminuindo até que, no dia 16 de março, o Chile passa os EUA, com 12,1% da população vacinada (contra 11,7% dos EUA).

Hoje, a cobertura vacinal nos dois países é próxima percentualmente, com um Chile um pouco à frente: 52% da população vacinada, contra 45% dos Estados Unidos:

Gráfico mostra percentual da população completamente vacinada contra a Covid-19 em Chile e EUA até o dia 25 de junho de 2021.

Arte/G1

Os EUA tiveram, entretanto, cerca de dois meses e meio de "vantagem" em relação ao Chile na velocidade da vacinação. Quanto mais reta é a parte inicial, esquerda, da linha do gráfico acima, mais rápida foi a velocidade de vacinação no início da campanha.

" Uma das coisas que mais importa numa subida exponencial é cortar a cadeia no começo, por isso a importância da antecipação. Olha a diferença que esses dois meses fazem no [mundo] real", explica o cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise Covid-19 que analisou os dados para o G1.

"O pontinho em que as linhas [de EUA e Chile] cruzam a barreira do 10% [da população vacinada] é muito próximo", diz Schrarstzhaupt. "A principal diferença é que o Chile ficou nada, nada, nada, nada e daí 10%... já os EUA foram subindo constantemente e começaram a subir muito antes [na vacinação], principalmente não tendo o aumento prévio de mobilidade que o Chile teve", pontua.

O que leva ao segundo ponto que influencia a curva da pandemia: as restrições de mobilidade.

2) Mobilidade: Chile x EUA

O Chile e os Estados Unidos são um exemplo do papel fundamental da mobilidade nos efeitos da vacinação.

"Estados Unidos e Chile estão com a cobertura vacinal similar, mas os EUA estão em queda e o Chile está em alta. O correto é analisar o andamento temporal, do que é que foi acontecendo: mobilidade, vacinação, casos. Você percebe claramente que a mobilidade tem um papel absurdo nesse momento", avalia Isaac Schrarstzhaupt.

Conforme o gráfico abaixo, é possível ver que a mobilidade no Chile aumentou bastante entre outubro de 2020 e janeiro deste ano:

Gráfico mostra dados de mobilidade no Chile de setembro de 2020 a junho de 2021.

Reprodução/Rede Análise Covid-19

Naquela época, entretanto, o país ainda não havia começado a vacinar seus habitantes – a imunização só engatou em março.

Nos Estados Unidos, por outro lado, a mobilidade só volta a crescer a partir de março (veja gráfico abaixo), quando o país já tinha 7,6% da população totalmente vacinada. No dia 31, 16,3% da população estava completamente vacinada.

É importante notar, também, que a movimentação em março cresceu bastante em locais abertos –onde a chance de se contaminar é menor:

Gráfico mostra dados de mobilidade nos EUA entre o final de 2020 e maio de 2021.

Reprodução/Rede Análise Covid-19

"O Chile explodiu a mobilidade antes de começar [a vacinar], os EUA tiveram o salto de mobilidade já vacinando e subindo rapidamente. Essa é a principal diferença entre os dois", explica Isaac Schrarstzhaupt.

3) Casos e mortes: Chile e EUA

A partir de janeiro de 2021, os casos nos EUA praticamente só diminuem até junho. Já no Chile o oposto acontece:

Casos e mortes por Covid-19 confirmados diariamente no Chile e nos EUA por milhão de habitantes de janeiro a junho de 2021.

Wagner Magalhães/Arte G1

4) Uruguai e Chile: semelhanças

Um padrão de mobilidade e vacinação semelhante ao do Chile foi visto no Uruguai. O país só começou a vacinação no dia 1º de março. No dia 29 do mesmo mês, apenas 0,5% da população estava totalmente vacinada, segundo o Our World in Data:

Gráfico mostra percentual da população completamente vacinada contra a Covid-19 no Uruguai de março a junho de 2021.

Wagner Magalhães/Arte G1

A mobilidade no país, entretanto, já tinha aumentado em janeiro e fevereiro, antes da vacinação. No gráfico, ela parece menor em locais de trabalho – mas a época foi justamente nas férias, ou seja: as pessoas – assim como no Chile e no Brasil – não iam trabalhar, mas se movimentavam de outras formas:

Gráficos mostram a mobilidade no Uruguai de outubro de 2020 a junho de 2021.

Reprodução/Rede Análise Covid-19

"O Uruguai estava vindo muito bem, fazendo tudo muito certo, cuidando bastante [no ano passado]", explica Schrarstzhaupt.

Até 31 de dezembro de 2020, o país tinha 181 mortes pela Covid-19, segundo o Our World in Data. O Brasil, em comparação, tinha quase 200 mil.

"Eu usava o Uruguai como exemplo quando queria mostrar alguém que estava fazendo certo. Em 2020, eu comparava Porto Alegre com o Uruguai, porque Porto Alegre tinha um monte de óbitos e Montevidéu, que é uma cidade muito similar em habitantes, não tinha quase nada", compara o cientista de dados.

Em março, o país teve uma queda de mobilidade geral (veja gráfico), quando entrou em lockdown. Em abril, vivia seu pior mês na pandemia.

De 1º de janeiro a 23 de junho deste ano, o Uruguai registrou 5.193 mortes pela Covid-19. Dessas, 4.459, cerca de 86%, foram registradas a partir do dia 29 de março (data em que 0,5% da população já estava totalmente vacinada).

"Quando tem um aumento de vacinação e tem pessoas já infectadas, elas vão ficar mal de qualquer jeito, vão acabar morrendo de qualquer jeito. Acontece muito nos lockdowns também – principalmente quando eles são reativos", pontua Schrarstzhaupt.

"O que acontece é que mesmo nos primeiros 20 dias de lockdown tem um monte de morte – porque é a colheita daquele plantio", diz.

5) Israel: lockdown e vacinação recorde

Israel combinou os fatores lockdown + vacinação rápida quase simultaneamente:

Começou a campanha de vacinação em 20 de dezembro;

No dia 27, decretou (o terceiro) lockdown, em meio a uma subida nos casos:

Gráfico mostra casos diários confirmados de Covid-19 em Israel de outubro de 2020 a junho de 2021.

Wagner Magalhães/Arte G1

Veja no gráfico abaixo a queda de mobilidade que houve em janeiro:

Gráfico mostra mobilidade em Israel de novembro de 2020 a maio de 2021.

Reprodução/Rede Análise Covid-19

No dia 1º de janeiro, 1 milhão dos cerca de 9 milhões de israelenses já haviam sido vacinados.

Na semana de 17 a 25 de janeiro, houve um pico de casos e mortes confirmados.

"As mortes são consequências de um contágio que aconteceu lá atrás. Quando a gente vê aumento de mortes, tem que olhar pra ver quando é que teve aumento de casos", explica Schrarstzhaupt.

No dia 29, o país chegou a 20% dos habitantes completamente vacinados:

Gráfico mostra percentual da população completamente vacinada contra o coronavírus em Israel.

Wagner Magalhães/Arte G1

No dia 31 de janeiro, o governo prorrogou o lockdown por mais cinco dias.

"Parece que eles perceberam logo no começo que, se deixassem estourar casos e vacinassem com alta nos casos, haveria vacinação e casos. Podia inclusive destruir a credibilidade da vacina. Parece que conseguiram enxergar antes o que está acontecendo no Chile, no Uruguai, o que provavelmente pode acontecer aqui", avalia Schrarstzhaupt.

'Não há dúvida sobre eficácia de lockdown', diz ex-chefe do combate à pandemia em Israel

Quando a mobilidade no país voltou a subir, em março, perto de 50% da população já estava completamente imunizada.

"O que importa nas vacinas é que aquela subida exponencial, aquele risco [à esquerda] seja feito o quanto antes e com a menor mobilidade possível, como fez Israel. Esse é o cenário ideal – porque daí eu começo a imunizar todo mundo enquanto as pessoas estão com a menor taxa de transmissão da doença", explica Schrarstzhaupt.

"E o contrário também: se deixar subir a mobilidade, como o Chile, daí a vacina ir pro lado e subir reto só depois que já está todo mundo meio que contaminado ou se contaminando, causa o que causou", compara.

"Na vacina, é especificamente esse cuidado que tem que ter: aquela subida reta do início da vacinação tem que ser feita o quanto antes – por isso que é interessante a diferença entre os Estados Unidos e o Chile", diz o cientista de dados.

De 6 de março até 9 de junho, os novos casos diários em Israel ficaram em queda ininterrupta. A nova subida desde então tem sido atribuída a turistas e à variante delta (identificada primeiro na Índia). Mesmo assim, os números estão muito longe dos de janeiro (veja primeiro gráfico deste tópico).

O país também já tem mais da metade de sua população vacinada. Até agora, as evidências sugerem que a vacina usada no país, a da Pfizer, é efetiva também contra a nova variante.

6) Efetividade das vacinas

Vacina e Covid-19: Devo escolher a vacina ou esperar chegar aquela que eu quero?

Os casos de Chile e Uruguai têm sido usados para levantar dúvidas sobre a efetividade da vacinação – em particular com a CoronaVac, usada em ambos – por causa do aumento de casos e mortes simultâneo ao aumento da vacinação.

A vacina também teve a menor eficácia em estudos (62,3%) – o que tem levado algumas pessoas, inclusive no Brasil, a escolherem não tomá-la.

"Independentemente da eficácia, precisamos de cobertura vacinal. Nenhuma vacina é 100% eficaz", reforça Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). "O sucesso de um programa de vacinação depende [em primeiro lugar] de cobertura vacinal".

Vacina não é vinho nem cerveja: veja 5 motivos para não escolher qual delas tomar contra a Covid-19

Por outro lado, os resultados positivos de EUA e Israel têm sido creditados, em parte, à vacina da Pfizer, que é usada em ambos. Os Estados Unidos também aplicam a vacina da Moderna e, em menor escala, a da Johnson. Israel comprou vacinas de outros fabricantes, mas usou apenas a da Pfizer.

Mas quais foram os resultados da imunização com cada uma dessas vacinas nesses países?

Veja abaixo:

Uruguai

Usa a CoronaVac, a AstraZeneca e a Pfizer e aplica vacinas diferentes em populações diferentes.

Os dados mais recentes da efetividade vacinal, divulgados pelo governo em 8 de junho, apontam que:

CoronaVac:

14 dias depois das duas doses, reduziu em 66% os casos de Covid-19 em profissionais de saúde;

14 dias depois das duas doses, reduziu em 64,5% os casos, em 94,4% as internações em UTI e em 95,3% as mortes por Covid na população de 18 a 49 anos;

14 dias depois das duas doses, reduziu em 61,5% os casos, em 92,2% as internações em UTI e em 95,2% as mortes por Covid na população de 50 a 69 anos.

Não foi aplicada na população com 70 anos ou mais.

Pfizer:

14 dias depois das duas doses, reduziu em 78,2% os casos de Covid-19 em profissionais de saúde;

14 dias depois das duas doses, reduziu em 79,7% os casos, em 96,7% as internações em UTI e em 94% as mortes por Covid na população com 80 anos ou mais.

Não foi aplicada na população com 69 anos ou menos.

O governo não divulgou dados da população de 70 a 79 anos. Os dados da AstraZeneca não foram divulgados porque é o intervalo entre as doses é de 3 meses.

Chile

Aplica Pfizer, CoronaVac, CanSino e AstraZeneca.

A vacina da CanSino, assim como a da Johnson (esta aprovada no Brasil), também usa apenas uma dose.

Uma análise divulgada no dia 17 de maio apontou que a CoronaVac teve os seguintes índices de efetividade, em uma população de 10,2 milhões de pessoas:

65,3% na prevenção de Covid sintomática;

87% na prevenção de hospitalização;

90,3% na prevenção de entrada numa UTI;

86% para prevenir a morte.

A vacina é a que teve o maior número de doses aplicadas no país – 17,2 das cerca de 22 milhões.

Em seguida vêm a vacina da Pfizer (4,3 milhões) da AstraZeneca (355 mil) e da CanSino (296 mil). Os dados de efetividade desses outros 3 imunizantes não foram divulgados; o Chile também passou a substituir a segunda dose da AstraZeneca com a vacina da Pfizer.

Estados Unidos

Resultados:

Um levantamento da agência de notícias "Associated Press" divulgado nesta semana apontou que, das mais de 18 mil mortes por Covid que os EUA tiveram em maio, apenas cerca de 150 ocorreram em pessoas totalmente vacinadas. Isso corresponde a 0,8% do total de óbitos. A agência não calculou o dado por fabricante de vacina.

O levantamento foi feito com dados do CDC, a agência do governo americano que divulga os dados da pandemia. O órgão, entretanto, afirma que há limitações nos dados e não fez uma estimativa própria.

Israel

Aplicou apenas a vacina da Pfizer, apesar de ter comprado de outros fabricantes. Em maio, divulgou um estudo apontando que a vacina teve 95% de efetividade na prevenção de casos de Covid.

Independente da eficácia, precisamos de cobertura vacinal. Nenhuma vacina é 100% eficaz

7) E o Brasil?

No Brasil, a vacinação caminha a passos lentos – especialistas apontam a falta de vacinas como o motivo. O país tem sido o mais devagar na vacinação comparado aos outros quatro citados nesta reportagem. Veja o gráfico:

Gráfico mostra diferença de velocidade para alcançar 10% da população vacinada em Israel, Chile, EUA, Uruguai e Brasil.

Wagner Magalhães/Arte G1

Apesar de a vacinação ter começado em janeiro, até agora, apenas cerca de 12% da população brasileira já recebeu as duas doses de alguma das vacinas aplicadas no país. A vacina da Johnson, única aprovada que tem apenas uma dose, chegou ao território brasileiro só nesta semana.

Especialistas são unânimes ao afirmar que as pessoas não devem escolher qual vacina tomar.

Um outro fator a ser considerado é que o Brasil não adotou um lockdown ou uma restrição de movimentação nacional – como fizeram Uruguai, Chile, EUA e Israel.

Ao mesmo tempo, o país atingiu, no último fim de semana, a marca dos 500 mil mortos.

Na avaliação da epidemiologista Ethel Maciel, professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a quantidade de casos e mortes diárias no país pode começar a diminuir quando metade da população estiver vacinada.

"O que a gente viu nos outros países é [que] quando Israel chegou a 50% dos vacinados, que tinha mais de 70% [de vacinados] no grupo de idosos, começou a cair bastante. Estados Unidos a mesma coisa, começou a cair bastante o número de casos e a transmissão", pondera.

Mas ela faz uma ressalva: naquela época, a variante delta ainda não havia aparecido.

"Eles conseguiram isso num outro contexto – agora tem a variante delta, então considerar que vai começar a sentir quando tem 50% [da população vacinada] ainda [é] incerto porque a gente não sabe o impacto dessa nova variante. Mas eu acredito que é isso – é o que a gente está vendo acontecer nos outros países", diz.

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Veja vídeo e ouça um podcast sobre a variante delta:

VÍDEO: O que se sabe sobre a nova variante indiana, confirmada no Brasil

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