Com carreira fonográfica iniciada em 1951, a cantora carioca de 86 anos tem projeto de gravar álbum com músicas de Marcos Valle para ampliar obra marcada pela modernidade. ? MEMÓRIA – A bossa, o balanço e o charme de Doris Monteiro estão impressos há 70 anos em discos do Brasil. Foi em 1951 que Adelina Doris Monteiro, cantora carioca nascida em 21 de outubro de 1934, entrou em estúdio para gravar o primeiro disco. E acertou de cara nesse primeiro disco, um 78 rotações por minuto – ou seja, um single duplo com duas músicas – editado pela gravadora Todamérica. O êxito não veio com o registro de Fecho meus olhos, vejo você (José Maria Abreu, 1951), gravação que passou despercebida no lado B, mas pelo sucesso avassalador do inédito samba-canção apresentado no lado A, Se você se importasse (1951), música de autoria de Peter Pan (1911 – 1983), compositor alagoano que, quatro anos antes, havia emplacado o bolero Se queres saber (1947) na voz de Emilinha Borba (1923 – 2005). Começou, naquele ano de 1951, a moderna trajetória fonográfica de Doris Monteiro, artista que, na contramão dos arroubos vocais das contemporâneas rainhas do rádio, usou bem a voz para mostrar que tamanho também podia ser documento para atestar o valor de cantora de voz “pequena” que cairia no suingue com maciez ao longo desses 70 anos de disco. Ainda em atividade nos palcos e estúdios (momentaneamente interrompida em março de 2020 por conta da pandemia), Doris Monteiro ruma para os 87 anos de vida – a serem festejados em outubro – como um dos símbolos da modernidade atemporal do canto.Doris seguiu pelas trilhas abertas nos anos 1940, na ala masculina, por Dick Farney (1921 – 1987) e Lúcio Alves (1927 – 1993), com quem a cantora, aliás, gravaria em 1978 o álbum que encerrou a luminosa passagem de Doris pela gravadora Odeon. Ao mesmo tempo, por cantar sem vibratos e impostações, Doris também abriu caminho para as bossas de cantoras como Sylvia Telles (1935 – 1966) e Nara Leão (1942 – 1989). Como Nara, Doris tinha um “fio de voz”, termo muitas vezes usado para enfatizar o timbre cool e o pouco volume vocal dessas cantoras nem por isso menos relevantes do que as colegas de outras altitudes e temperaturas vocais. Primeiro disco de Doris Monteiro, lançado em 1951 com o samba-canção 'Se você se importasse'ReproduçãoCom sucessos como Mocinho bonito (Billy Blanco, 1956), samba que a cantora ajudou a popularizar em gravação de 1957, a discografia de Doris na era dos 78 rotações abarca 21 discos editados pelas gravadoras Todamérica (de 1951 a 1954), Continental (de 1954 a 1957) e Columbia (de 1957 a 1960). Esses discos pavimentaram trilha fonográfica que ganhou novos ares quando, já no embalo da bossa que mudou tudo em 1958, Doris gravou álbuns importantes pela Philips, gravadora onde permaneceu de 1961 a 1965. Com álbuns como Gostoso é sambar (1963), Doris começou a encontrar uma outra turma de compositores e arranjadores, com quem se afinou. Foi quando, contratada pela gravadora Odeon, a artista começou a fazer discos que sedimentaram a bossa e o balanço que desde sempre trouxera na voz. Álbuns como Simplesmente (1966), Mudando de conversa (1969) e o especialmente relevante Doris (1971) são atestados perenes da modernidade charmosa do canto de Doris Monteiro. O mercado fonográfico brasileiro foi injusto e cruel com a cantora a partir da década de 1980. Doris gravou muito pouco desde então. Mas, nos últimos anos, retomara a discografia. Em janeiro de 2020, Doris se juntou a Claudette Soares e a Eliana Pittman para gravar em estúdio um disco com o registro do show As divas do sambalanço, apresentado pelo trio ao longo de 2019 com produção de Thiago Marques Luiz. O álbum foi editado pelo selo Discobertas em março de 2020, já na pandemia que adiou o projeto de Doris de gravar álbum com músicas de Marcos Valle, compositor presente na discografia da cantora desde os anos 1960. Projeto, aliás, afinado, pois a música de Marcos Valle tem a bossa, o balanço e o charme que caracterizam o canto de Doris Monteiro em coerente trajetória fonográfica que completa 70 anos em 2021.