Especialista chama a atenção para o peso que determinantes sociais têm no curso de vida das pessoas e, consequentemente, na saúde do cérebro Por que insistimos em utilizar basicamente uma abordagem biológica para a Doença de Alzheimer, quando outros fatores – socioculturais, comportamentais e do meio ambiente – têm enorme impacto na vida dos seres humanos? Essa foi a reflexão que a médica Amy Kind, professora do departamento de geriatria e gerontologia da Universidade de Wisconsin, propôs ao encerrar a primeira sessão plenária da AAIC 2021 (Alzheimer´s Association International Conference), que já foi objeto da coluna de quinta-feira. Em sua apresentação, enfatizou o peso que determinantes sociais têm na existência das pessoas e, como não poderia deixar de ser, na saúde do cérebro.
A doutora Kind trabalha em duas frentes que se complementam: além de dirigir um centro de pesquisa sobre a Doença de Alzheimer, é fundadora de outro que estuda a desigualdade na saúde. “Temos que medir o acúmulo de influências do ambiente no qual estamos inseridos e as respostas biológicas associadas a ele, porque se refletem na saúde. Boa parte das condições nas quais as pessoas nascem, vivem, trabalham, se relacionam e envelhecem é modificável e deveria ser prioridade das políticas públicas”, afirmou.
A médica Amy Kind, professora do departamento de geriatria e gerontologia da Universidade de Wisconsin
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Ela se referia ao expossoma, termo criado em 2005 para designar a totalidade das exposições humanas durante a sua trajetória, da concepção à morte. O conceito se baseia em três domínios, começando pelos fatores internos, que são do indivíduo: idade, fisiologia, genoma. Os outros dois são os fatores externos gerais (condições socioeconômicas, aspectos sociodemográficos, local de moradia); e externos específicos, como dieta alimentar, ocupação, estilo de vida. Citou, inclusive, uma iniciativa do governo Bill Clinton (1993-2001), que consistiu numa espécie de loteria que possibilitava que famílias de baixa renda pudessem mudar-se para vizinhanças menos desfavorecidas. “Não houve alteração socioeconômica e as famílias continuaram pobres, mas sua saúde melhorou”, disse.
O Índice Jarman (Jarman Index), criado pelo médico britânico Brian Jarman, foi um dos primeiros para medir o nível de privações de regiões desfavorecidas. Levava em conta variáveis como nível de desemprego ou de mão de obra sem qualificação; se uma mulher criava os filhos sozinha; ou se havia excesso de moradores nas habitações. A Universidade de Wisconsin criou seu próprio método, chamado Area Deprivation Index, com o objetivo de ser usado em alocação de recursos, elegibilidade para verbas e ajustes estatísticos.
“Há uma ligação direta entre viver numa área em desvantagem e a saúde do cérebro e o declínio cognitivo”, ressaltou, enquanto exibia inúmeros levantamentos elaborados a partir do índice. Moradores dessas regiões também têm maior risco de delirium pós-operatório e diagnóstico tardio de demência. Ainda por cima, são grupos sub-representados em estudos. Finalizando, ela fez uma defesa veemente do movimento Open Science (Ciência Aberta), para tornar a pesquisa científica e sua disseminação acessível a todos os níveis da sociedade, e convidou os pesquisadores a “abraçar o mundo real”: “fiquem atentos para que o seu trabalho não exclua essas comunidades, que refletem um legado estrutural de desigualdades”.