Dados do Departamento de Saúde Mental de Juiz de Fora apontam que entre os transtornos diagnosticados estão ansiedade, depressão, automutilação e tentativas de suicídio entre adolescentes. Além disso, pandemia gerou medo do retorno às aulas. Saúde mental de crianças e adolescentes | Foto Ilustrativa
Cecilia Tombesi/Getty via BBC
Depois de quase dois anos da pandemia de Covid-19, em que o isolamento social é uma das recomendações para frear o contágio do coronavírus, a saúde mental de crianças e adolescentes é uma das preocupações de pais, mães e responsáveis.
Durante a pandemia foi observado uma maior incidência nos casos de suicídio e uma alta nos relatos de problemas relacionados à saúde mental em Juiz de Fora. Conforme dados do Departamento de Saúde Mental (DESM), em 2019, foram 5.454 atendimentos na rede do município, enquanto em 2020, ano de início da pandemia, esse número saltou para 6.779. Em 2021, somente nos primeiros 4 meses, foram realizados 2.336 atendimentos na cidade.
Entre os transtornos diagnosticados estão ansiedade, depressão, automutilação e tentativas de suicídio entre adolescentes. Além disso, segundo a gerente do DESM, “foi observado um aumento expressivo nos casos de uso e abuso de álcool e outras drogas, inclusive entre adolescentes”.
O G1 conversou com mães, psicólogas e uma psicopedagoga para trazer à tona os possíveis transtornos que este público pode ter desenvolvido durante o período e quais os impactos no aprendizado de crianças e adolescentes.
Comportamento
Mãe de dois jovens que estão cursando ensino superior, e de um adolescente do ensino fundamental II, Sônia de Oliveira Torres afirma estar preocupada porque os 3 filhos estão praticamente “vivendo dentro dos quartos e têm dificuldade em fazer atividades presenciais, ainda que seja de lazer".
Segundo ela, Pietro, de 14 anos, pratica natação sente-se indisposto para fazer a atividade física que sempre gostou pelo fato de ter que sair de casa.
Arlete Pessoa, mãe de Gabriela, 17 anos, e Mariana, de 15, contou que as filhas sofreram e perderam muito com a pandemia.
"Além de perdem tudo aquilo de bom que normalmente essa idade oferece, tempo esse irrecuperável, tiveram a saúde mental diretamente afetada. Sofreram sim com ansiedade, solidão, tristeza, tendo até que procurar ajuda de profissional. Foi um período muito difícil para todos nós e principalmente para nossas crianças e adolescentes", explicou a mãe.
Segundo Arlete, um possível fim da pandemia, que parece estar próximo com o avanço da vacinação que abrange agora adolescentes, é um motivo de alegria. "Percebo claramente que estão mais entusiasmadas, felizes e cheias de planos para o futuro próximo. E que não demore muito para isso acabar", completou.
Já a mãe Marise Lima conta no início a filha Alda Lima, de 12 anos, sentiu muito, mas que agora está animada com o retorno das aulas presenciais e já está ansiosa para reencontrar os amigos.
"Foi muita novidade no início, aulas on-line, afastamento social e ela parou com a natação, mas agora já está animada", contou Marise.
O que dizem os especialistas
Medidas de seguranças foram tomadas para volta dos alunos das escolas municipais às aulas 100% presenciais na cidade de Extrema
Prefeitura de Extrema/Divulgação
O G1 conversou com uma psicopedagoga para explicar os impactos da pandemia de Covid-19 no âmbito escolar para crianças e adolescentes e com duas psicólogas que discorreram sobre a saúde mental desta faixa etária, além de dar dicas para os pais. Veja abaixo.
Pandemia e saúde mental
Segundo a psicóloga clínica e professora Juliana Célia de Oliveira, os impactos provocados pela pandemia têm sido imensuráveis, com efeitos diretos (físicos e/ou imunológicos) e indiretos, tais como prejuízos no desenvolvimento dos processos de aprendizagem e na socialização.
"Em saúde mental, especificamente, a ausência física na escola, do contato presencial com os amigos e da família mais ampla são fatores estressores que têm afetado muitas crianças e adolescentes. Isoladamente, ou em conjunto, esses fatores se relacionam a um aumento significativo de sintomas de ansiedade e depressão", analisou Juliana.
Como uma "válvula de escape", a profissional afirmou que houve que um expressivo aumento de uso de telas, como televisão, computadores, tablets e smartphones, além do aumento de sedentarismo e obesidade, "que atrelado ao luto pela perda da liberdade, provocam medos, preocupações, alterações no humor, de sono e de apetite, refletindo desafios para pais, educadores e profissionais de saúde mental. No entanto, nem todas as crianças e adolescentes desenvolveram transtornos psíquicos".
Sobre tais mudanças no cotidiano das crianças e adolescentes, a psicóloga afirmou que é comum eles se sentirem inseguros e com medo quanto ao retorno das atividades presenciais.
"Cada criança e adolescente pode responder de forma particular às novas mudanças. Apesar de muitos sentirem-se contentes com o retorno às atividades escolares, esporte e lazer, o medo pode surgir como uma resposta natural do organismo. É normal que adolescentes e crianças fiquem nervosos, apreensivos e tenham medo de retornar para a escola, que não é mais a mesma de um ano e meio atrás. Para alguns estudantes, à volta às aulas pode ser extremamente estressante e sintomas de ansiedade podem se manifestar em situações como essa. Não se pode negligenciar o próprio medo de contaminação da Covid-19, que em nível extremo pode desencadear fobias e estresse pós-traumático. Na prática clínica, também temos observado um outro grupo de crianças e adolescentes, aqueles que já apresentavam dificuldades de socialização e relacionamento antes da pandemia, passaram a se sentir muito confortáveis e seguros no ambiente de suas casas. Nesse caso, a tensão de voltar às aulas presenciais pode ser maior que a tensão de ficar fechado dentro de casa", explicou.
Com o retorno, Juliana alertou que é preciso ficar atento a sinais como: choro frequente, pensamentos pessimistas e catastróficos, dificuldade de concentração, agressividade e alterações no sono e no apetite. Além disso, é importante observar o aparecimento de queixas comuns a alguns transtornos, especialmente de ansiedade, como taquicardia, sensação de aperto no peito e frio na barriga, respiração curta, tontura, enjoo, dores musculares e boca seca.
"O medo, a tristeza e a ansiedade são reações naturais diante dessa realizada. Nas duas primeiras semanas, é possível que muitas crianças e adolescentes tenham medo de entrar na sala de aula e demonstrem-se nervosos ou apreensivos. Pais e mães devem ficar atentos aos comportamentos dos filhos e verificar se outros sintomas aparecem e persistem durante o retorno", completou a professora.
Impactos no aprendizado
De acordo com a psicopedagoga Mônica Braida, diretora pedagógica da Rede de Ensino Apogeu, a pandemia trouxe desafios em todos os âmbitos da sociedade e o aprendizado de crianças e adolescentes é um deles.
"Se pensarmos em impactos no aprendizado relacionado à conteúdos acadêmicos, estamos falando de algumas lacunas que sim, podem levar algum tempo para que se reestabeleça o fluxo idade/ano escolar/conteúdo a ser aprendido. Porém, a aprendizagem é um processo contínuo, por isso, acreditamos que estes impactos podem ser absorvidos e retomados a partir do trabalho pedagógico das escolas, com a contribuição valiosa dos professores e com a parceria das famílias", afirmou a psicopedagoga.
Sobre o retorno presencial das escolas de Juiz de Fora, anunciado pela Prefeitura na última semana, Mônica diz que é fundamental para o processo de sociabildade das crianças e dos adolescentes, porém deve ser tratado de maneira cautelosa.
"As trocas e aprendizagens se dão no contato presencial. Somos seres sociais e a interação que cada pessoa estabelece com determinado ambiente, a chamada experiência pessoalmente significativa, é fundamental para nosso desenvolvimento", afirmou.
Dificuldades
A psicopedagoga explicou ainda que no caso de crianças e adolescentes, a dificuldade maior será na adaptação ao retorno. "Fora das casas novamente, enfrentar o ambiente “novo” mais uma vez, estar com as pessoas e mesmo assim cuidar dos protocolos de segurança, tudo isso fará com que o processo de adaptação seja um momento cuidadoso que escolas e famílias precisarão se atentar. Este sim, é um ponto que precisamos retomar com muito cuidado: acolhimento de crianças e adolescentes se faz tão importante quanto a retomada da aprendizagem cognitiva".
Além disso, Mônica alerta para o medo do retorno e diz é preciso saber lidar e falar sobre os sentimentos, que devem ser valorizados. No âmbito escolar, a profissional diz que é necessário trazer intencionalidade pedagógica para que o retorno ocorra de maneira saudável.
"O medo do retorno se dá pela situação que a pandemia nos trouxe e que, de fato, assola o mundo. Para estas famílias a garantia da isonomia do aprendizado é tratada na legislação. Nenhum aluno pode ficar prejudicado caso a opção da família seja permanecer no remoto. Cabe à escola a garantia, o acolhimento e não o julgamento de porque retorna ou não para as atividades presenciais. Já em relação às crianças e adolescentes, o medo existe até porque as perdas que sofremos foram em todas as instâncias e nos fizeram conviver com situações muito inusitadas, que até então, não havíamos vivenciado. Nestes casos, cuidar dos alunos que retornarem presencialmente é tão importante quanto cuidar daqueles que optarem pela permanência em casa. O fato é que, enquanto escola, lugar de aprendizagem, queremos e precisamos tratar da acolhida, da reconstrução e das aprendizagens que a pandemia nos proporcionou. É a partir disso que vamos recomeçar, afinal, nossa vida é um eterno recomeço!", concluiu.
Psicóloga dá dicas para os pais
A psicóloga clínica e professora do curso de psicologia, Irma Neves diz que o primeiro passo é entender as emoções dos filhos e validá-las, para dessa forma, encontrar sentimentos de segurança e enfrentar os desafios.
"Acolher a insegurança e angústia que crianças e adolescentes manifestem em diferentes vivências e enfrentamentos, possibilitando a fala e escutando que para além do medo evidente, a ameaça real coloca em xeque processos psíquicos inconscientes, desvelando a presença da finitude", afirmou.
Além disso, a psicóloga explicou que os pais também necessitam cuidas das próprias emoções, uma vez que a esfera emocional dos cuidadores repercute da vida dos filhos.
"Manter contato estreito com a escola também é uma forma de acompanhar o desenvolvimento comportamental e socioemocional do estudante. Neste momento, a readaptação da rotina terá de ser trabalhada com cautela pelos atores do processo de ensino aprendizagem, visando o desenvolvimento saudável de todos os envolvidos", concluiu.
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