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Fernanda Abreu comemora 30 anos de carreira solo orgulhosa de legado no pop e funk, mas sente falta 'de diversidade de letra'


Cantora lançou álbum de remixes com Projota e Emicida para celebrar aniversário do 'Sla radical dance disco club' e prepara projeto só com DJs mulheres para 2022. Fernanda Abreu comemora 30 anos de carreira solo e fala de álbum com mulheres e funk

Fernanda Abreu, com seus recém-completados 60 anos, foi a primeira popstar do Brasil. Em 1990, ela deixou para trás o sucesso da Blitz e se jogou na música pop eletrônica com seu álbum "Sla radical dance disco club".

Em 2020, em meio à maior pandemia da história recente, ela comemorou os 30 anos de carreira solo trabalhando muito em estúdio. Na última quinta (17), finalmente lançou a primeira parte dessa celebração: "Fernanda Abreu 30 anos de baile", um projeto com remixes de sucessos ao lado de DJs e dos rappers Emicida e Projota.

Para celebrar o momento, a cantora deu uma longa entrevista ao G1 na qual falou de tudo um pouco. Veja, abaixo, as frases mais marcantes da garota sangue bom sobre música, funk, Rio de Janeiro, velhice:

Funk: "Demorou para ser valorizado, foi um processo longo e doloroso durante muitos anos."

Música pop: "Às vezes eu sinto falta de uma diversidade de letra, de assuntos, acho que ainda está muito focado no empoderamento feminino, no sexo, e tem muitos assuntos que a gente pode tratar."

Fazer 60 anos: "Não tem por que esconder a idade. Para mim, traz muito mais solidez eu ter esses 60 anos e essa carreira. Mas compreendo que é como o machismo estrutural, como se fosse um elogio dizer que você não parece que tem 60."

Rio, 40 graus: "A única coisa que mudou é que naquela época não tinha milícia, a gente só trabalhava com tráfico e polícia, mas continua sendo a cidade das cidades misturadas, o melhor e o pior do Brasil."

Fernanda Abreu comemora 30 anos de carreira solo com disco de remixes

Divulgação/Murilo Alvesso

Veja os principais momentos da conversa:

G1 - Queria que você começasse contando a história desse disco de remixes.

Fernanda Abreu - Bom, eu tinha algumas ideias para celebrar meus 30 anos de carreira solo. Uma delas era gravar e lançar o CD e o DVD da turnê "Amor Geral", do último disco de inéditas que lancei em 2016. E aí gravei esse DVD no dia do lockdown aqui no Rio de Janeiro. Tinham 400 pessoas na porta para entrar no show e tiveram que ir embora. Era 13 de março, uma sexta-feira 13, e às 19h chegou a menina e falou "as pessoas vão ter que ir embora, o governador mandou um decreto, isso aqui é um equipamento público". Acabei gravando o DVD sem público, foi tipo a primeira live, né?

Eu já tinha plano de um álbum de remixes porque, quando eu lancei meu primeiro disco em 1990, ele foi muito abraçado pelos DJs, foi o primeiro disco de música dançante brasileira, aquela festa. Eles falavam "finalmente uma música brasileira cantada em português para a gente tocar na pista". Em todos esses anos, eu tive sempre muito apoio dos DJs, então resolvi fazer essa homenagem.

G1 - A escolha de dois rappers negros para o álbum, no caso Emicida e Projota, é política de certa forma?

Fernanda Abreu - Não. Primeiro porque os rappers no Brasil, que eu saiba, a maioria é negro. Claro que eu tenho um grande amigo que é o Gabriel, o Pensador, mas ele é pré-histórico assim, nem tinha muita essa questão na virada dos anos 1990. E o D2 que tem um pé ali também na negritude, assim como Gabriel sempre curtiu.

Todo mundo que curte música dançante, groove e hip hop tem uma relação com a música negra. Agora a maior parte dos rappers é negra, né? E eu sempre curti música negra, nem pensei exatamente nessa questão da militância, mas mesmo no trabalho deles.

Capa do disco '30 anos de baile', de Fernanda Abreu

Divulgação

G1 - Esse projeto é o encerramento das comemorações dos seus 30 anos de carreira solo. Como você avalia esse tempo?

Fernanda Abreu - Mais ou menos, porque vai ter a parte 2 só com mulheres. A gente já começou um pouquinho garimpando. As meninas estão mandando o trabalho delas para eu conhecer dentro de estúdio.

"Essa cena ainda é muito masculina, tem muito DJ homem, e a gente já tem um monte de DJ mulher aí na cena que eu acho que vale a pena botar uma luz."

Mas sobre a carreira, acho que cheguei na cena com um disco muito precursor de música pop dançante brasileira. "Sla radical dance" foi um divisor de águas para começar um outro capítulo e fico muito orgulhosa desse trabalho. Tive a oportunidade de ouvir esse material ano passado quando a minha gravadora fechou parceria de distribuição com a Universal. Eu nunca escuto meus discos depois que faço, então voltei depois de muitos anos e fiquei muito contente, com arranjos que não ficaram datados na minha opinião. Então acho que foi uma trajetória vitoriosa, né?

Eu até gosto de dizer que fiz 60 anos. E vou dar essa acelerada de 60 a 70 para fazer muito projeto e depois dar uma descansada, porque eu nunca parei.

G1 - E o que prepara para o próximo capítulo da sua carreira, principalmente em questão de tendência?

Fernanda Abreu - Têm quatro coisas programadas, mas quero fazer um disco que chama "Garotas sangue bom", feminino/feminista para o qual quero chamar um monte de cantoras que eu adoro e que também têm a ver com meu trabalho, Anitta, Ludmilla, Jade Baraldo, Glória Groove, Pabllo. Já fechei com algumas, mas é segredo, vamos fazer uma coisa inédita.

Fernanda Abreu na gravação do show 'Amor geral'

Alexandre Calladinni / Divulgação

G1 - Você é considerada a mãe do pop brasileiro. Como avalia seu "filho" hoje, acha que é vanguardista ou tem algo ainda para melhorar?

Fernanda Abreu - Adoro quando vejo especialmente a mulherada dentro do pop, que era uma coisa que na minha época não tinha, né? E hoje eu vejo quantas meninas não só no pop, mas no hip hop, no funk. Fico muito feliz porque o pop se juntou com funk e um pouco do hip hop, porque hoje a música pop é feita inicialmente basicamente com um beat, né com um bom beat e alguns samples você tem uma música pop bacana.

Às vezes eu sinto falta de uma diversidade de letra, de assuntos, acho que ainda está muito focado no empoderamento feminino, no sexo, e tem muitos assuntos que a gente pode tratar, mas que faz parte também da época.

O axé e o rock também tinham suas letras, faz parte do movimento. Mas com certeza vai ter uma galera aí chegando com letras diferentes e beats diferentes também, mas já é super bacana, né? A gente ter hoje uma solidez de muitos artistas.

É o que o DJ Marlboro falava no começo do funk, porque o funk não tinha Mc, era só música instrumental, equipes de som que tocavam em baile como DJs. Ele se perguntava "como a gente pode transformar essa música que a gente toca nos bailes em um movimento? Tendo artistas” e aí começaram a ter os Mcs. Então é importante o movimento como pop hoje ter uma quantidade grande de artistas.

G1 - Falando de funk, você foi uma das primeiras a tirá-lo do reduto das comunidades. Qual o seu sentimento ao ver hoje o reconhecimento internacional?

Fernanda Abreu - Maravilhoso, sensacional. Demorou né?

Porque lá no comecinho dos anos de 2000, a gente teve que ir pra Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) para criar uma lei e afirmar que o funk era um movimento cultural que não podia ser criminalizado nem marginalizado, que a Secretaria de Segurança tinha que liberar os bailes, então foi um processo longo e doloroso que o funk passou durante muitos anos.

Eu fiquei chocada a primeira vez que fui em um baile funk, em 1989. Eu tinha 19 anos, morava na zona sul, sou branca, classe média. E tinha baile funk no asfalto, os bailes eram os clubes. Eu fui levada pelo Hermano Vianna que é antropólogo e irmão do Herbert Vianna, do Paralamas.

E quando eu cheguei no baile, quem estava tocando era o DJ Marlboro. Fiquei chocada com uma parede de som com grave espetacular que eu nunca tinha visto no Brasil e 2 mil pessoas dançando, 2 mil pessoas negras. No dia seguinte, a gente foi para o estúdio e fez a "Melô do radical". E nunca mais deixei o Marlboro em paz, fui em tudo que é baile, acompanhei o movimento, toda a proibição do funk no asfalto, todos os bailes que tiveram que ir para o morro.

É uma música muito potente, porque o Brasil tem como música oficial internacional o samba, né? O samba é reconhecido como a música brasileira, e o funk é a música eletrônica brasileira, feita por DJ, dentro de estúdio. A potência que tinha a galera trazendo de Miami, mas já transformando no nosso ritmo, depois que entrou o tamborzão, então, ficou um negócio muito mais Brazuca, mais legal ainda.

G1 - Agora falando um pouquinho de "Rio 40 Graus", o que mudou do Rio de Janeiro de 1992 para hoje? Você ainda acha que é "o purgatório da beleza e do caos"?

Fernanda Abreu - Acho que o Rio de Janeiro é exatamente isso, a única coisa que mudou é que naquela época não tinha milícia, a gente só trabalhava com tráfico e polícia. Agora, a gente tem milícia também, mas continua sendo a cidade das cidades misturadas, continua sendo o melhor e o pior do Brasil, continua sendo a chapa quente que é, continua sendo o comando de comando, submundo oficial, submundo bandidaço. É uma letra muito atual ainda.

G1 - Ano que vem a música vai fazer 30 anos. Você pensa em trabalhar com ela de alguma maneira, lançar uma nova versão com olhar para o Rio atual?

Fernanda Abreu - Sim, tem muita gente já me procurando para fazer novas versões.

G1 - Com "Sla radical dance", você foi pioneira no uso de sample no Brasil. Queria saber como você teve contato com essa tecnologia e como avalia a evolução dela no mercado musical.

Fernanda Abreu - A gente estava mixando no estúdio, quando chegou o primeiro sample, não era nem o Akai. O primeiro sample mesmo vinha dentro de um teclado sequência que você podia samplear até 20 segundos. E eu fui para o estúdio sampleei um monte de coisa, aí tem aquele disco que foi uma loucura porque usei Madonna, Michael Jackson, Prince, Novos Baianos, Caetano, Gil, mais um monte de gente.

E o jurídico da gravadora é que falou "bom, como não tem nenhuma legislação ainda, pode usar". Todo mundo no mundo lançou aquilo. Dali em diante, muita coisa aconteceu. As pessoas hoje sampleiam, mas mudam bpm, botam efeitos, filtro, gravam por cima. O mais importante é pedir autorização, creditar e pagar. Diante disso, não tem problema nenhum e faz parte da linguagem do hip hop e da música pop. E ainda acho uma homenagem porque você está trazendo essa música de novo.

Ludmilla, Fernanda Abreu e Buchecha cantam com a Funk Orquestra neste sábado (5) no Rock in Rio 2019

Alexandre Durão/G1

G1 - Ainda sobre tendências, você acha que hoje tem alguma questão, tecnologia, ritmo ou algo que está subrepresentado, mas que pode crescer e estourar nos próximos anos?

Fernanda Abreu - Acho que no Brasil, a grande coisa é a gente misturar. Se você for copiar o Trap que faz lá fora, o reggaeton, a house ou eletro...

Por isso que o funk carioca deu tão certo, porque a gente conseguiu... quando a gente pegou o tamborzão, que vem de uma cultura negra de jongo, e botou no eletrônico, a gente criou uma batida que não tinha nenhum lugar do mundo.

Mas o Trap tem, outros têm. Então quando a gente consegue misturar esses beats, a gente consegue criar alguma coisa nova. Vamos ver a criatividade dos produtores.

G1 - Você sempre diz que tem orgulho de afirmar seus 60 anos, mas as pessoas insistem em dizer que não parece, te chamar de jovem.

Fernanda Abreu - Não tem por que esconder a idade. Para mim, traz muito mais solidez eu ter esses 60 anos e essa carreira. Mas compreendo que é como o machismo estrutural, como se fosse um elogio dizer que você não parece que tem 60. Na verdade, não é um elogio. As pessoas acham que o jovem que é legal, mas acho que a juventude está na vitalidade, na capacidade de realização, criação e inventividade.

Mas para mim, o bacana é a gente se assumir com a idade que a gente tem, com o corpo, a cor que a gente tem. Cada vez mais na sociedade a gente tá precisando se assumir e ganhar essa autoestima.

G1 - E como você se vê daqui a 10 anos sendo uma mulher de 70 mercado?

Fernanda Abreu - Tem mercado para todo mundo, isso foi uma coisa legal também que aconteceu com a internet porque criou a cauda longa. Mas acho que estarei em uma posição privilegiada por ser cantora pop com 30 anos de carreira.

Porque as pessoas sempre falaram que a música pop era descartável e efêmera. Diziam "O pop não dura, presta atenção, aproveita agora". Então é importante as meninas verem que eu estou aqui há 30 anos, sabe? As meninas podem ver que lá na frente também vão ter 30, 40 anos de carreira.

Então eu acho que com 70 anos eu vou estar lá do alto da minha "vovozice". Espero que alguma da minhas filhas tenha filhos também. Mas se não quiserem, está ótimo porque esse mundo está uma loucura.

Fernanda Abreu em 'Blitz – O filme'

Divulgação / Viralata Produções

G1 - Você já pensou ou teve vontade de voltar para a Blitz nessa onda de nostalgia?

Fernanda Abreu - Eu falo com o Evandro [Mesquita] toda semana, de vez em quando ele me chama assim "Vamos fazer um DVD", aí eu vou lá e canto uma música com eles. Mas mais que isso não tem como, eles já me chamaram várias vezes para turnês, mas não conseguia conciliar. Claro que se tiver qualquer evento comemorativo, com certeza estarei lá.

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