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BRASIL

Bolsonaro destruiu alianças e manterá isolamento em 2022, avaliam especialistas


As relações internacionais da gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL) têm sido marcadas pela ruptura com acordos estabelecidos nos governos anteriores com importantes potências econômicas, tais como Alemanha, França e Canadá, classificadas como “globalistas” ou até mesmo “comunistas” pelo ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo. 

Restaram poucas alianças para o Brasil no mundo. Focada na aproximação com governos de direita, com destaque para os Estados Unidos do ex-presidente Donald Trump, a diplomacia bolsonarista não acompanhou as mudanças no mundo e preferiu o isolamento combinado com promessas incertas de acordos com países de direita. 

Isso porque de 2019 para cá, países que contavam com governos de direita e extrema-direita, como Estados Unidos, Argentina, Peru e Alemanha, mudaram o alinhamento político nas eleições.

Nesse cenário, de acordo com especialistas consultados pela reportagem de O TEMPO, há poucas chances de melhoria nas relações exteriores do Brasil, uma vez que a má diplomacia traz consequências econômicas. 

Um exemplo disso é que o Brasil continua sendo o principal empecilho para que ocorra a ratificação do amplo acordo entre Mercosul e União Europeia, cujas negociações foram concluídas em 2019, após 20 anos.

Entre os motivos está a má relação entre Brasil e França – que assumiu a presidência rotativa do bloco em 7 de janeiro deste ano –, sobretudo devido aos problemas socioambientais e climáticos que persistem do lado de cá.

“A França é contra o Mercosul tal como é negociado hoje, e vamos continuar sendo, muito claramente. Temos que reinventar nossas políticas comerciais, para que sejam coerentes com nossas políticas climáticas, com nossas políticas de biodiversidade. É uma necessidade", enfatizou o presidente francês Emmanuel Macron, em setembro do ano passado, durante Congresso Mundial da Natureza.

Onde estão os aliados de Bolsonaro no mundo?

No Velho Continente, restaram como aliados, ainda que pouco expressivos na defesa de Bolsonaro, a Turquia, Polônia, Hungria e Rússia. 

Com tratamento diferenciado, há os países do Golfo Pérsico, como Arábia Saudita, Emirados Árabes, Catar e Bahrein, com os quais Bolsonaro e seus ministros se afeiçoaram e visitam com frequência. 

Na Ásia, Bolsonaro e comitiva estiveram algumas vezes no Japão, Coreia do Sul e China. Porém, devido aos recorrentes ataques feitos pela cúpula bolsonarista contra o governo chinês, agravados durante a pandemia do coronavírus, as relações diplomáticas entre os dois países vêm enfrentando abalos.

Já nas Américas, sobraram as alianças com Paraguai, Colômbia, Equador e, bem mais esgarçada, com o Uruguai. Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro e delegação buscaram estreitar o contato com o Suriname, classificado pelo Itamaraty como “histórico encontro”, por serem raras as visitas de presidentes brasileiros ao país que faz fronteira com Amapá e Pará. 

Esta foi a primeira viagem internacional do presidente da República em 2022, que já recusou outros compromissos com países vizinhos.

Sobre a visita ao Suriname, o Ministério das Relações Exteriores destacou a retomada de negociações bilaterais e informou que Bolsonaro e o presidente do país Chandrikapersad Santokhi “mantiveram ampla troca de visões no espírito de fortalecer e de aprofundar a compreensão dos interesses comuns”.

“Os presidentes também intercambiaram impressões sobre assuntos relacionados a segurança e defesa, infraestrutura, energia, comércio e investimento, e meio ambiente”, relatou o Itamaraty.

Agenda de viagens e de faltas diplomáticas

Bolsonaro informou que não irá à posse do presidente do Chile, Gabriel Boric, marcada para 11 de março, por ele ter vencido o candidato José Kast, conhecido como “Bolsonaro do Chile”. 

Bolsonaro também não compareceu às posses dos presidentes da Argentina, Alberto Fernández, e do Peru, Pedro Castillo, com quem mantém embates ideológicos. 

Ainda neste ano, Bolsonaro tem viagem prevista à Europa em fevereiro, onde deve ter encontros com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, cuja posição é ultraconservadora. Na mesma missão, o líder brasileiro deve encontrar o presidente da Rússia, Vladimir Putin.

Sem brechas para novas alianças em 2022

Na avaliação de Julián Durazo-Herrmann, cientista político, professor e pesquisador de política comparada da América Latina pela Universidade do Quebéc em Montreal (UQAM), no Canadá, a tendência é que a política exterior do Brasil no governo Bolsonaro tenha ainda menos importância neste ano do que nos anteriores.

“A preocupação do presidente estará focada na dinâmica política e econômica interna do país, que ainda parece bem complicada. Ele vai ter que lidar com um cenário de campanha ruim para a reeleição”, observa o especialista. “A diplomacia brasileira, que já estava isolada e marginalizada, vai ficar ainda mais”, acrescenta.

Acompanhando essa perspectiva, Leonardo Paz Neves, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional (NPII) da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ) e professor de Relações Internacionais da Faculdade Ibmec, reforça que Bolsonaro não demonstra a intenção de melhorar a diplomacia com outros países.

“Acredito que o Bolsonaro não tem mais a ilusão de que vai fazer grandes mudanças nas relações exteriores em 2022. Ele vai ficar cada vez mais enfraquecido e isolado na região, não tem grandes parceiros internacionais e parece não ter a ambição de liderar a América do Sul”, pontua Neves.

O que marca o isolamento de Bolsonaro no mundo?

Embora o presidente insista em lives, entrevistas e discursos oficiais que não está isolado no mundo, salta aos olhos de Durazo-Herrmann que as grandes economias não querem proximidade com Bolsonaro. 

“Um fato que realça o isolamento do Brasil e de Bolsonaro é que poucos presidentes visitaram Brasília desde 2019. Também desde essa época, não há reuniões internacionais importantes feitas no Brasil. As cúpulas não querem ir para o Brasil”, avalia o cientista político, lembrando que nem mesmo Donald Trump, sempre bastante cortejado pela família Bolsonaro e outros ministros, visitou a capital brasileira durante sua gestão nos Estados Unidos.

Para exemplificar outros momentos em que o Brasil se viu isolado do mundo, Durazo-Herrmann cita a Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, na Escócia, e a reunião do G20, em Roma, na Itália, ocorridas em outubro e novembro do ano passado. 

“Na COP26, os países se deram conta de que as coisas não melhoraram no Brasil, apesar das promessas feitas pelo governo. Também chamou atenção que os grupos minoritários, indígenas e negros, tiveram mais destaque e trânsito com delegados de outros países do que a comitiva oficial do governo Bolsonaro”, frisa o cientista político.

“Bolsonaro foi para a reunião do G20 e desprestigiou um dos aliados dele, que é o presidente da Turquia, quando falou apenas sobre o seu próprio governo, sem estabelecer um diálogo", destaca Durazo-Herrmann.

"Nessa mesma conversa, ele ignorou o atual presidente da Alemanha, que já havia sido anunciado e estava lá com a Ângela Merkel. Ele também fugiu dos principais compromissos simbólicos entre autoridades para visitar o vilarejo dos antepassados dele”, descreve o analista de política internacional.

Para Neves, a diplomacia de Bolsonaro, comandada desde março do ano passado pelo ministro Carlos França, mantém a visão fechada no conservadorismo e na direita, abrindo mão de renovar as alianças com os países que mudaram de governo. 

“Ele não consegue pisar nos Estados Unidos e na Europa, não tem a mesma recepção que recebe quando vai aos países do Golfo Pérsico, que tem como característica comum com o governo Bolsonaro uma barra mais baixa para questões democráticas, de direitos humanos e ambientais”, reitera o especialista em relações internacionais.

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