Na manhã desta terça-feira (7), o logotipo da Daslu ocupava um local discreto no site do leiloeiro Sodré Santoro, em uma sessão que indicava os maiores lances.
A antiga marca de luxo dos irmãos Eliana Tranchesi e Antônio Carlos Piva, oferecida por R$ 1,41 milhão, dividia espaço com um imóvel residencial no Parque Petrópolis, em Mairiporã (SP), no valor de R$ 403 mil, uma Scania R540 2021 cotada a R$ 208 mil e uma Nissan Frontier 2021 por R$ 176 mil.
Até minutos ants do prazo final para encerrar o leilão, às 13h, a grife -que no passado ostentou um prédio de 15 mil m² na marginal Pinheiros, na zona sudoeste de São Paulo– recebia lances na casa dos R$ 1,42 milhão, pouco acima do lance inicial, de R$ 1,41 milhão.
Mas na reta final os lances começaram a ficar acirrados. DE R$ 1,42 milhão, passaram rapidamente a R$ 6 milhões e foram subindo, até chegar aos R$ 10 milhões, em uma sequência de 49 lances. O vencedor ainda vai pagar 5% de comissão para o leiloeiro.
"Ficamos surpresos com o resultado, já que a marca estava avaliada em R$ 1,4 milhão, depois de enfrentar um processo de recuperação judicial, ficar inativa e finalmente ir à falência", disse à Folha Leonardo Campos Nunes, advogado do escritório Expertise Mais, indicado pela Justiça para cuidar da falência da marca Daslu.
Ex-dona do endereço mais luxuoso do país, a marca será vendida para que os seus recursos sejam usados para pagar dívidas do processo de falência da empresa, conforme determinação da 1ª Vara e Ofício de Falência e Recuperações Judiciais do Foro Central de São Paulo.
Em 2005, uma operação da Polícia Federal, deflagrada em parceria com a Receita Federal e o Ministério Público, para apurar crimes de sonegação de impostos cometidos, prendeu os donos da Daslu. Eles foram condenados a uma pena de 94 anos por formação de quadrilha, fraude em importações e falsificação de documentos.
Eliana morreu em 2012, de câncer, e Antônio Carlos Piva está preso.
A loja de luxo -que no passado foi considerada a mais tradicional de São Paulo- foi fundada há 59 anos pelas sócias Lucia Piva de Albuquerque e Lourdes Aranha. Até o começo dos anos 80, ela comercializava apenas roupas e acessórios nacionais. Após a morte de Lucia, sua filha Eliana.
Com a nova direção, a loja virou grife própria e, a partir dos anos 90, começou a trabalhar com marcas de luxo importadas, após liberação desse tipo de produto pelo presidente Fernando Collor de Mello. Tranchesi foi para Europa e voltou com malas repletas de bolsas e sapatos famosos que caíram no gosto dos endinheirados paulistanos.
Em seu ápice da fama, a Daslu era conhecida como "templo de luxo" e ocupava uma área de mais de 15 mil m² em um prédio estilo neoclássico com colunas gregas na Vila Olímpia, ao lado de onde seria erguido o shopping JK Iguatemi, na zona oeste de São Paulo.
Em 2005, antes de ver seu império derrubado por uma série de escândalos, a loja de Tranchesi movimentava cerca de R$ 400 milhões em vendas ao ano, segundo especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, e empregava cerca de mil pessoas.
Entre elas, havia as "dasluzetes", vendedoras das lojas -muitas vezes vindas de famílias ricas- que recebiam até R$ 15 mil mensais, incluindo as comissões de roupas e acessórios cujos valores chegavam a ultrapassar os cinco dígitos. Uma das dasluzetes famosas era Sophia Alckmin, filha do então governador de São Paulo Geraldo Alckmin.
Entre 75% e 80% das pessoas que iam à loja saíam pelo menos com uma sacola em mãos. Em um shopping comum, essa taxa varia entre 15% e 30%.
O início da queda do império começou há 11 anos, no dia 13 de julho de 2005. Uma megaoperação da Polícia Federal, em parceria com a Receita levou à detenção de Tranchesi e seus sócios, todos suspeitos de importação irregular por meio de crimes de descaminho e sonegação fiscal. O esquema utilizaria empresas de fachada para subfaturar importações com o objetivo de sonegar impostos.
Nele, a Daslu era responsável por negociar a compra das mercadorias de luxo no exterior e encaminhá-las à importadora que falsificava documentos para subfaturar as mercadorias, pagando assim menores impostos.
Durante o processo, a defesa de Tranchesi afirmou que ela não era responsável pelas questões financeiras e administrativas da loja, e portanto desconhecia a fraude.
Em 2009, Tranchesi foi condenada pela juíza Maria Isabel de Praro, da 2ª Vara da Justiça Federal, em Guarulhos, a cumprir 94,5 anos de prisão pelos crimes de formação de quadrilha, descaminho tentado e consumado e falsidade ideológica.
Roberto Fakhouri Júnior (da importadora Kinsberg), André Beukers (Kinsberg), Rodrigo Nardy Figueiredo (Todos os Santos) e Christian Polo (By (Brasil), além de Celso de Lima, irmão de Tranchesi, também foram condenados na ação.
À época, Tranchesi enfrentava um câncer de pulmão e entrou com um recurso para recorrer da sentença. Ela chegou a ser presa no dia da condenação mas foi solta um dia depois. Tranchesi morreu em 2012 em decorrência do câncer. Ela respondia pelos processos em liberdade.
Com uma dívida próxima ao vencimento de R$ 80 milhões, mais a pendência com a Receita Federal, estimada em R$ 500 milhões, o antigo império do luxo teve seu plano de recuperação judicial aprovado pela Justiça em 2011, que previa a venda da marca.
O único interessado foi a empresa Leap Investments, que adquiriu a marca pelo valor simbólico de R$ 1.000 e se comprometeu a investir R$ 65 milhões na empresa. A venda não incluiu a pendência com a Receita.
Quatro anos após a aquisição, a Leap foi denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF) por sete crimes contra o sistema financeiro, operações fraudulentas no mercado de capitais, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e organização criminosa e desobediência a ordem judicial.
A sede da empresa era localizada nas Ilhas Bermudas. Segundo a acusação, os empresários causaram prejuízos de mais de R$ 2,5 bilhões ao mercado mobiliário e a investidores com operações fraudulentas no lançamento de ativos.
Em fevereiro de 2016, a fatia majoritária (52%) acabou sendo comprada por um grupo de investidores liderado pelo empresário baiano Crezo Suerdieck, que se especializou em adquirir empresas de diversos setores em dificuldade. Foi anunciado então um plano de expansão para a marca, baseado no modelo de franquias.
No ano da ordem de despejo no shopping JK, a Daslu possuía ainda quatro lojas em São Paulo, Rio de Janeiro e Ribeirão Preto.