"Para mim, toda floresta nasce de uma semente, o que estamos fazendo, respeitando o meio ambiente, é coletar um pouco delas e devolver para a região como mudas que amanhã se transformarão em grandes árvores", disse o jovem José Fernandes, natural de Capelinha, no Vale do Rio Jequitinhonha.
Já foram coletados e beneficiados cerca de 782 kg de frutos e sementes de 100 espécies diferentes. Com isso, 225 mil mudas foram produzidas e estão sendo plantadas aos poucos em áreas impactadas e áreas de compensação. Segundo projetos da ONG SOS Mata Atlântica, a média de árvores cultivadas por hectare de floresta é de 1.667 plantas.
O rapaz dedica a maior parte dos seus dias aos estudos e a coleta de sementes de árvores nativas que estão ajudando a reflorestar a região e a garantir a conservação das espécies, algumas ameaçadas de extinção. Com isso, ganhou o apelido de “Zé das Sementes”.
Para Fernandes, o trabalho é motivo de orgulho e uma oportunidade para usar as técnicas que estão sendo passadas pelos mais experientes. “Sempre gostei da natureza, mas nunca imaginei trabalhar com coleta de sementes, é uma surpresa muito boa. Ser “mateiro”, como diz na roça não estava nos meus planos, mas agora pretendo aprofundar meus conhecimentos e fazer uma faculdade de biologia", afirma.
Iniciado em 2019, ano do rompimento da barragem que matou 270 pessoas a atingiu a Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba, o “Projeto Sementes” da mineradora Vale, representa uma das várias frentes que objetivam recuperar, no prazo de 10 anos, cerca de 297 hectares impactados, 140 de área florestal. Até o momento, 27 hectares de áreas diretamente impactadas pelo rompimento e obras de reparação no entorno da área, incluindo áreas protegidas (Reserva Legal e Área de Preservação Permanente/APP), estão em processo de reflorestamento com espécies nativas da região.
Em relação à remoção de rejeitos, dos cerca de 9 milhões de metros cúbicos que se desprenderam da Barragem B1, cerca de 60% já foram manuseados.
Entre as sementes coletadas estão árvores raras, ameaçadas de extinção e protegidas por lei como o Cedro, Tambú Branco, Jacarandá da Bahia, Palmito Juçara, Braúna, Aroeira Verdadeira, Gonçalo Alves e os Ipês-amarelos.
Cuidados especiais
Para produzir mudas nativas, em quantidade e com qualidade, a coleta de sementes é uma das etapas mais importantes do processo. “A coleta de sementes nativas da flora brasileira está ligada historicamente à relação de domesticação de plantas pelos povos indígenas. São marcas culturais do povo brasileiro. Em Brumadinho, a biodiversidade é um patrimônio imaterial”, explica o professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Sebastião Venâncio Martins.“Preservar a variabilidade genética das espécies locais impactadas e utilizar as sementes de espécies nativas indica que a recuperação das áreas está sendo realizada da forma mais harmoniosa possível, respeitando a flora e a fauna, além de evitar a disseminação de espécies invasoras que podem competir por espaço e prejudicar o ecossistema”, ressalta.
Antes da coleta é necessário realizar estudos e preparar um calendário fenológico, uma espécie de inventário e agenda da floresta, para conhecer a qualidade, quantidade e época do ano em que cada espécie pode ser coletada. O processo de mapeamento e marcação de matrizes envolve muito trabalho de campo, percorrendo os remanescentes florestais e identificando as espécies de interesse.
Com este levantamento, a localização de cada árvore é georreferenciada e são feitas anotações sobre seu diâmetro, altura e outras características. Esse processo permite definir quais são as árvores “mães”, de onde se pode extrair sementes e frutos. Para isso, são consideradas características como tamanho da copa, tronco, valor ecológico e quantidade de material disponível. Apenas uma parte dos frutos e sementes são coletadas, grande parte fica como alimento para a fauna, formação do banco de sementes no solo e a continuidade dos processos ecológicos de sucessão florestal.
Após a coleta, em alguns casos, é preciso que seja feita a extração, ou seja, a retirada das sementes dos frutos, que varia de acordo com o tipo da espécie. No caso de fruto carnoso, como sementes de Palmeiras, o processo utiliza água e peneiras de diferentes tipos, sempre manualmente e com cuidado. No caso dos frutos secos, como os frutos dos ipês, é preciso colocá-lo à sombra em um local ventilado para facilitar a extração de sementes.
Depois disso, as sementes são limpas e armazenadas em embalagens especiais, fincando prontas para iniciar o ciclo da vida.
A transformação da semente em muda começa em uma viagem de quase 700km entre Brumadinho (MG) e a Reserva Natural Vale (RNV), em Linhares, no Espírito Santo, sendo a maior parte desse trajeto feita nos trens da Estrada de Ferro Vitória Minas. A área de 23 mil hectares é destinada à conservação e à pesquisa científica, com expertise e capacidade de produção de até três milhões de mudas por ano.
Na Reserva Natural Vale, as sementes são colocadas para germinação e quando alcançam o tamanho ideal estão prontas para voltarem a Brumadinho como mudas em uma nova viagem.
Chegando em “casa”, durante um período mínimo de 15 dias, as mudas são hospedadas em um viveiro de espera na região próxima às áreas de restauração. Lá, elas passam por um processo de adaptação antes de serem encaminhadas para o plantio, processo conhecido como rustificação. Após está etapa, elas estão aptas para serem plantadas.
“Todo processo de recuperação ambiental é demorado e, em longo prazo, o que estamos fazendo é tentar fortalecer este processo aplicando diferentes técnicas inovadoras e sustentáveis para o reflorestamento”, afirma Diego Aniceto, Analista Ambiental da Vale. Ele explica que entre as técnicas utilizadas estão a bioengenharia para recuperar o solo e controlar a erosão, etapa importante para resgatar com efetividade o equilíbrio geomorfológico e ecológico da região; o resgate de DNA de árvores nativas, em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV), que está sendo utilizado pela primeira vez no mundo; além do projeto Sementes, que visa recuperar as áreas impactadas através de sementes nativas. “É preciso respeitar o tempo de resposta da natureza”, salienta o Aniceto.
Revejetação
Para a revegetação acontecer, o primeiro passo é a remoção dos rejeitos, atividade fundamental para apoiar as buscas realizadas pelo Corpo de Bombeiros. Somente após a liberação das áreas pelo CBMMG o trabalho é iniciado, já que a busca pelas pessoas desaparecidas é prioridade máxima desde o rompimento. Até o momento, estão em processo de recuperação ambiental 23 hectares, incluindo parte da área diretamente impactada e áreas protegidas, com o plantio de aproximadamente 30 mil mudas de espécies nativas da região.Sobre o reflorestamento, o professor Sebastião Venâncio destaca ações importantes realizadas pela Vale e que são um diferencial para o sucesso da restauração, como a boa diversidade de espécies, a irrigação em períodos secos, o uso de protetores de biomanta, chamados de “manchões”, que são colocados ao redor das mudas para evitar a competição com a braquiária e outras gramíneas.
Captura de CO2
Além de devolver a vegetação ao local, a recuperação das áreas impactadas pelo rompimento também promove a captura de CO2 da atmosfera, ajudando na diminuição da concentração deste gás e, consequentemente, desempenhando um papel importante no combate à intensificação do Efeito Estufa.A remoção do gás carbônico da atmosfera é realizada graças à fotossíntese, permitindo a fixação do carbono na biomassa da vegetação e no solo. Conforme a vegetação cresce, o carbono é incorporado aos troncos, galhos, folhas e raízes.
Estado de Minas