8 de março. Um dia de luta. Símbolo do movimento das mulheres que, no começo do século 20, se juntaram para reivindicar melhores condições de trabalho e de salários, redução da jornada e o direito ao voto. Elas queriam políticas públicas e direito a ter direitos. Passado um século, chegamos a 2023 com parte dessas demandas em aberto no Brasil: ainda é preciso melhores condições de trabalho, mulheres chegam a ter jornadas triplas em 24 horas, salários continuam sendo menores do que os dos homens. Conquistamos o direito ao voto, mas participação feminina na política ainda é percentualmente menor, o que dificulta a conquista de um mundo mais justo para elas. Entretanto, há avanços, e as bancadas femininas nos legislativos municipais, estaduais e Federal se movimentam para garantir aprovação de suas pautas, tradicionalmente voltadas para as mulheres neste mês, embora nem sempre unânimes mesmo entre as parlamentares. Violência doméstica, assédio moral e sexual, e a destinação de recursos para mulheres vítimas de tais crimes estão no rol das pautas que tramitam agora no Congresso Nacional, na ALMG e na CMBH.
No final de janeiro, foi entregue ao presidente da Câmara Federal, Arthur Lira (PP-AL), uma carta-compromisso em que a bancada feminina cobrou mais participação das mulheres nos espaços de poder. A carta pede ainda que não sejam pautados temas polêmicos sem consenso. Uma participação mais assertiva das mulheres nos espaços de decisão da Casa é a pauta prioritária das deputadas federais, segundo a coordenadora-geral da Bancada Feminina, Luiza Canziani (PSD-PR). Mas Luiza a bancada deseja atuar fortemente em propostas-chave do Congresso Nacional, independentemente de o tema afetar diretamente as mulheres. “Em um primeiro momento, a bancada pretende se empenhar para que mais mulheres ocupem lugares de decisão dentro do Legislativo. Buscamos diálogo constante para que os partidos façam indicações para que mulheres estejam nesses espaços de poder na Câmara”, disse. “Estamos organizadas também para atuar fortemente em propostas que serão discutidas na eventual reforma política, como atuamos no projeto do novo Código Eleitoral que está em discussão no Senado Federal, de forma a ampliar a atuação e o espaço partidário para as mulheres, além de potencializar a execução dos direitos que já foram garantidos e que muitas vezes não são efetivamente cumpridos”, completou.
Inspirada no protocolo No Callem de Barcelona, na Espanha, que ficou em destaque após a suspeita de estupro cometido pelo jogador da Seleção Brasileira de Futebol, Daniel Alves, a deputada federal mineira Dandara (PT-MG) apresentou o Projeto de Lei 4/2023, que estabelece um protocolo contra o assédio sexual em boates, bares e casas noturnas nos moldes da realidade brasileira, a ser seguido pelos funcionários dos estabelecimentos. A intenção é que o PL seja votado ainda neste mês.
O protocolo pretende prevenir e definir as medidas a serem tomadas caso ocorram, nesses estabelecimentos “crimes contra a dignidade sexual, como estupro, toque indesejado nos órgãos sexuais, beijos e carícias forçadas, e de perseguição das mulheres, como importunação de modo insistente e obsessivo”, ressaltou a mineira.
Primeira mulher trans mineira no Congresso Nacional, a deputada Duda Salabert (PDT-MG) anuncia que vai protocolar PLs voltados para programas que facilitem o acesso de travestis e transexuais ao mercado formal de trabalho. “Há de se entender que, no Brasil, estima-se que 95% da população de travestis estão na prostituição”, disse a deputada. Duda, que ainda luta para ser reconhecida como mulher, inclusive dentro do Congresso Nacional, ressaltou, entretanto, que não há uma unidade da bancada das mulheres em torno das questões de gênero e que nem todas as parlamentares do grupo têm a agenda feminina como prioridade. “Não basta ser mulher. É necessário estar compromissada com a agenda e as reivindicações históricas não só do movimento feminista, mas também de combate à desigualdade de gênero que há no país. Nós tivemos a Damares (Republicanos-DF, hoje senadora) como ministra das Mulheres e isso não representou avanço da pauta das mulheres no Brasil. Muito pelo contrário. Em diversos pontos, houve retrocessos. A bancada feminina é diversa, é plural, mas nem todas que foram eleitas estão compromissadas com a agenda feminina no Brasil”, destacou. Mais cadeiras
‘Minas Gerais nunca teve uma governadora. Na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), por exemplo, dos 41 vereadores eleitos em 2020, 9 são mulheres. Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), dos 77 deputados estaduais eleitos em 2022, 15 são mulheres. Na Câmara dos Deputados, elas são 90 dos 513 parlamentares. Quinze dos 81 senadores eleitos em 2022 são mulheres. O caminho, entretanto, vem sendo percorrido aos poucos. Na Assembleia, as 15 deputadas atuais são a maior bancada feminina da história. Na Mesa Diretora, uma mulher negra ocupa a vice-presidência. Na CMBH, a legislatura anterior, em 2016, contava com apenas 4 vereadoras. Em 2018, o Senado era ocupado por 12 senadoras, sendo que apenas 7 foram eleitas naquele ano. E a bancada feminina da Câmara Federal em 2018 tinha 77 cadeiras.
Avanços e desafios para as senadoras
Uma Casa sem representantes mineiras. As três cadeiras que Minas Gerais tem no Senado são ocupadas por homens. A única senadora mineira que o estado teve foi Júnia Marise, de 1991 a 1999. No entanto, a presidência da Casa é de parlamentar eleito por Minas: Rodrigo Pacheco (PSD-MG). E as senadoras contam com ele para pautar projetos importantes da bancada feminina. A Procuradora Especial da Mulher do Senado, Leila Barros (PDT-DF), afirma que a reeleição de Pacheco foi importante para que os PLs sugeridos pela bancada sejam pautados.
As senadoras entregaram ao presidente da Casa as demandas prioritárias para o mês de março. Leila Barros colaborou com duas solicitações de alteração de lei. O PL 116/2020, que altera a Lei nº 11.340 para caracterizar, entre outras, a forma de violência eletrônica contra a mulher. E o PL 3.728/2021, que altera a Lei nº 11.340 – Lei Maria da Penha – para dispor sobre o atendimento acessível à mulher em situação de violência doméstica e familiar. “As pautas que são importantes para as mulheres, nas últimas legislaturas, têm ganhado luz, como a questão da pobreza menstrual, a Lei do Stalker, a Lei do Feminicídio. Houve avanços para discutir também uma rede de proteção à mulher, recursos para o combate à violência contra a mulher, que antes não existiam, fundos de segurança pública”, disse Leila.
Entretanto, ressalta, o fato de as mulheres serem minoria na Casa tornam aprovação de suas pautas mais desafiadora. Para ela, é importante que os homens participem do debate. “A gente tem buscado esse diálogo com os homens também, afinal de contas, como eles são a maioria, precisamos dos votos e do apoio deles.”
A ex-ministra das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos do governo Jair Bolsonaro (PL) e agora senadora, Damares Alves (Republicanos-DF), teve uma atuação cercada de polêmicas no Executivo. E afirma que vai manter os mesmos preceitos na Casa, conservadores e cristãos.
“Não tenho nenhuma dificuldade de lidar com as parlamentares que pensam diferente de mim em algum ou em vários temas. Acredito sim que há boa intenção de muitas, embora discorde de suas posições”, disse Damares sobre as mais progressistas.
O primeiro projeto da senadora prevê a ampliação da licença-maternidade de mães de bebês prematuros por 60 dias. “A prematuridade atinge 340 mil bebês brasileiros todos os anos no Brasil (...) E as mães iniciam sua licença maternidade antes do período mais usual, após nove meses de gestação. A legislação vigente, porém, não contempla esses casos”, explica.
Barreira rompida na Assembleia
A bancada feminina da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) tem motivos para comemorar nesta nova legislatura. Com 15 deputadas estaduais, é a maior da história da Casa. Além disso, após 26 anos, a Mesa Diretora recebe uma mulher: Leninha, do PT, que é também a primeira mulher negra vice-presidente da ALMG. Para a petista, sua eleição ao cargo significa que as mulheres conseguiram “romper muitas barreiras”.
A vice-presidente da ALMG é autora de um projeto de lei em tramitação que obriga maternidade, casa de parto e estabelecimentos hospitalares da rede pública e privada de Minas Gerais a permitir a presença de tradutor e intérprete da Língua Brasileira de Sinais sempre que solicitada pela paciente. "Temos que exergar onde as mulheres não são incluídas e transformar o que não funciona no Estado”Leninha (PT), vice-presidente da ALMG Protocolada em fevereiro, uma polêmica proposta da deputada Andréia de Jesus (PT) prevê o afastamento, por até três dias, de servidoras públicas que sofrem com intensas cólicas menstruais. O projeto gerou um burburinho por causa da dificuldade de fiscalização e do receio de a norma fechar portas para a mulher no mercado de trabalho.
“Essa medida serve para garantir a saúde, a recuperação das mulheres e os direitos ligados ao trabalho durante o período de afastamento. Gera bastante discussão, mas precisamos avançar, de forma urgente, nessa questão, pois a inserção da mulher no mercado de trabalho é crescente. Ao mesmo tempo, os efeitos causados pelas fortes dores não podem ser ignorados. Não queremos efeitos contrários à situação da mulher no mercado de trabalho, mas sim abrir e estruturar a discussão”, disse Andréia.
A petista também é autora do PL 3.890/2022, que dispõe sobre a afixação de placa ou de cartaz com mensagem alusiva à tipificação de crime de importunação sexual. “Esses são exemplos de ação para as mulheres na ALMG. Acredito que temos que expandir as políticas públicas, enxergar onde as mulheres não são incluídas e transformar o que não funciona no Estado. Precisamos também criar novos caminhos.”
Liderança conservadora em BH
Pastora da Igreja Batista da Lagoinha, Flávia Borja (Progressitas-MG), presidente da Comissão de Mulheres da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), elegeu pautas conservadoras voltadas, segundo ela, para a defesa da mulher. A vereadora que lista entre suas prioridades acabar com os “banheiros unissex”. “A mulher não pode ser constrangida a entrar em um banheiro e ter lá dentro um homem que se diz mulher. Precisamos pensar nas consequências disso, no constrangimento, nos perigos do abuso”, disse. Contra o aborto, ela protocolou o PL 492/2023, que trata sobre a notificação à Secretaria de Saúde sobre os procedimentos, afirmando que não há transparência em relação à prática, permitida por lei em caso de estrupro, risco à vida da mulher e de o feto ser anencéfalo.
Do outro lado do espectro político, Cida Falabella (PSOL-MG), integrante do conselho é responsável por dois projetos aprovados que estão sendo implementados em BH: o Morada Segura, para mulheres que sofreram violência e o Dossiê de Mulheres.
EM TRAMITAÇÃO
Confira alguns dos projetos de lei que têm a mulher como foco
Câmara dos Deputados:
PL 81/2022 – Deputado Julio César Ribeiro (Republicanos-DF): direito de toda mulher a ter acompanhante De sua livre escolha nas consultas e exames, inclusive os ginecológicos, nos estabelecimentos públicos e privados.
PL 3.792/2019 – Deputada Professora Rosa Neide (PT-MT): criação de selo de qualidade para empresa que não tenha entre os seus administradores agressores de violência doméstica e familiar.
MP 1.140/ 2022 – Poder Executivo: institui o Programa de Prevenção e Combate ao Assédio Sexual no âmbito dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e distrital.
PL 7.559/2014 - Deputada Flávia Morais (PDT-GO): institui o Fundo Nacional para a Promoção dos Direitos da Mulher SENADO
PL 2.083/2022 - Senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS): altera os arts. 50, 52 e 86 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para estabelecer medidas destinadas a reforçar a proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar
PL 2.763/2022 - Senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA): altera a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, para enquadrar o assédio sexual como ato de improbidade administrativa.
PL 2.570/2022: Senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB): Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 (Lei Orgânica da Saúde), e a Lei n°9.656, de 3 de junho de 1998, para dispor sobre o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.
ALMG
PL 4.062/2022 - Deputada Ione Pinheiro (União Brasil-MG): cria o Dossiê Mulher Mineira na forma que especifica e dá providências.
PL 4.061/2022 - Deputada Ione Pinheiro (União Brasil-MG): dispõe sobre a obrigatoriedade das unidades escolares dos ensinos público e privado, no ato da matrícula escolar, disponibilizar material informativo sobre o combate à violência doméstica e dá outras providências.
PL 4.059/2022 - Beatriz Cerqueira (PT-MG): institui a Semana Estadual de Prevenção, Conscientização e Enfrentamento da Endometriose no Estado e dá outras providências.
PL 57/2023 - Ana Paula Siqueira (Rede-MG): institui a Política Estadual de apoio e incentivo à mulher no esporte e dá outras providências. CMBH
PL 459/2022 - Vereador Rubão (PP-MG): institui o combate à Violência Doméstica e à Importunação Sexual como temas a serem abordados no contraturno das escolas municipais de educação integral.
PL 407/2022 - Autoria coletiva: Dispõe sobre a tramitação prioritária dos procedimentos e processos administrativos em que figure como parte ou interessada a vítima de violência doméstica e familiar
PL 283/2022: Dispõe sobre a garantia da acessibilidade comunicativa à mulher com deficiência auditiva e/ou visual vítima de violência doméstica e familiar
Estado de Minas