Ontem, quando as famílias poderiam estar reunidas com tranquilidade ou descansando, o dia foi de mais preocupação. Com o trabalho de perícia a cargo do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), do Comando da Aeronáutica, Corpo de dos bombeiros, Polícia Civil e Polícia Militar (PM), os moradores tiveram que ficar mais atentos, e dentro de casa, a partir do momento em que os militares avisaram que havia perigo de explosão do monomotor. Recolhendo, aos poucos, partes do avião que ficou sobre o telhado das duas casas, as equipes retiraram o combustível. Com um trecho da rua interditada, a Guarda Municipal e a PM colocaram faixas zebradas e pediram às pessoas, incluindo a imprensa, que ficassem distantes do local. Pela manhã, era forte do cheiro de gasolina na frente das duas casas, separadas por um corredor.
Com o semblante cansado e ainda perplexa, a moradora do imóvel número 359, Márcia Antônia Bueno de Souza, de 58 anos, contou que mora com mais quatro pessoas da família. Sentada no meio-fio, desabafou: “Vi a morte de perto, pois o avião quase caiu em cima de mim. Vamos ver agora o que resolvem, pois o aeroporto fica bem perto da minha casa.".
E Márcia Antônia deu mais detalhes da perigosa tarde de sábado. “O ‘rabinho’ [traseira] do avião caiu no telhado da minha cozinha, quase em cima da geladeira. É uma situação muito difícil para todos nós. Tomei prejuízo, pois a geladeira está cheia, tem os sorvetes que faço para vender. Agora, nem posso entrar, pois a casa está interditada”, lamentou. Devido ao acidente, Márcia Antônio foi se abrigar na casa de parentes, na Região de Venda Nova. “Ainda bem que choveu de madrugada e deu uma ‘esfriada’ no avião...já pensou se explode?”, comentou assustada. A vizinha, residente no número 361, estava viajando, mas teve a parte da frente do avião sobre o telhado.
Indignação permanente
Olhos arregalados, conversa entre vizinhos, receio de que a situação se repita, já que há registro de muitos acidentes nos bairros vizinhos ao Aeroporto Carlos Prates, que completará 80 anos em janeiro de 2024. Como se tivesse um nó na garganta, e fosse urgente desatá-lo, a dona de casa Carmen dos Santos, moradora do número 333 elevou o tom: “Falam tanto em prevenção de acidentes, mas cadê a prevenção? É importante a economia do país crescer, mas com segurança, não com um avião em cima da casa das pessoas".Muitas pessoas foram ao local, no domingo bem cedo, em solidariedades às pessoas atingidas. "Já caiu um sobre a casa do meu irmão, na Rua Lorena. Felizmente, ninguém foi atingido. Nossa luta para desativar o aeroporto é longa. Estão protelando e não resolvem. É um perigo, há casas a menos de 100 metros da pista", disse o aposentado Marcelo José Silva, morador da Rua Belo Vale na esquina com Morro das Graças. Após a entrevista com Marcelo José, a equipe do Estado de Minas foi à casa do irmão dele, Márcio José da Silva, casado, pai de três filhos. A família foi vítima, há alguns anos, da queda de um avião sobre o telhado. “Ainda bem que ninguém se machucou, mas foi algo assustador. Se o piloto, que estava com uma aluna em aprendizagem, tivesse batido na laje da casa, revestida de pedra, teria, sem dúvida, sérios problemas”.
A queda ao avião é sempre lembrada por Márcio José da Silva, mais ainda com o acidente ocorrido por volta das 14h30 de sábado. Como testemunha da história, ele guardou o ‘bico’ da aeronave. “O avião foi retirado, mas eu disse: Isso vai ficar aqui. Guardo como um troféu da vida, pois ninguém da minha família se feriu”, revelou.
Moradores dos bairros próximos ao aeroporto não veem a hora de o terminal ser desativado para outra destinação. Moradora da Rua Minerva, no Bairro Caiçara, Vanilda Dias, enfermeira, ressalta que as pessoas vivem com medo. Ontem, quando passeava com a cadelinha Laisla, lembrou de dois acidentes nos últimos anos, um deles com a morte de um piloto. Também residente na Rua Minerva, o aposentado Raphael Silva mostra o exato lugar em que um avião caiu – hoje, há um quebra-molas na pista. “O que tem de acidente de trânsito nessa área não é brincadeira, toda hora tem um. Acredito que o aeroporto, se desativado, possa se transformar em parque ou área de lazer.
A revolta tomou conta de uma moradora, que preferiu não se identificar. Para ela, toda essa situação, que considera “briga política”, já poderia ter terminado no fim do ano. “Estava resolvido no governo do presidente Jair Bolsonaro. Mas, aí, o presidente Lula ganhou e estão só postergando. É preciso resolver logo, vivemos sob perigo constante”, disse a moradora.
Triste rotina
A morte de sábado foi a quinta nos últimos quatro anos relacionada a voos no terminal Carlos Prates. Após dois acidentes com vítimas em 2019, o fechamento do aeroporto entrou no radar das autoridades. Em 2020, o então ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, chegou a anunciar que o aeroporto seria fechado no ano seguinte, mas uma série de adiamentos postergou a medida e o terminal segue em funcionamento.Conforme o Estado de Minas informou ontem, a expectativa era de que as atividades do aeroporto fossem encerradas em dezembro do ano passado, mas uma portaria estendeu o prazo até maio de 2023. O prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman, lamentou o novo acidente e informou pelas redes sociais que irá reforçar o pedido de concessão do aeroporto Carlos Prates ao município. Com reunião marcada em Brasília amanhã, Fuad prometeu levar o assunto novamente ao conhecimento do governo Lula.
"Não podemos mais permitir que acidentes assim aconteçam", escreveu. Ele também voltou a manifestar o interesse da prefeitura de Belo Horizonte em usar o terreno para geração de emprego e moradia, após o aeroporto ser desativado. "Sigo com a minha proposta de utilizar a área do aeroporto para construção de moradias, parques, escolas, centros de saúde e toda infraestrutura urbana necessária para a população", frisou. A proposta é destinar parte da área, próxima ao Anel Rodoviário, para indústria e logística. A outra receberia um parque e 2.000 moradias populares, com aparelhos básicos como postos de saúde, creches e centro comercial.
Oftalmologista trabalhava em Valadares
A morte do oftalmologista José Luiz de Oliveira Filho, de 60 anos, que pilotava o monomotor que caiu sobre duas casas na Região Noroeste de Belo Horizonte, no sábado, causou comoção em Governador Valadares, no Leste de Minas. Ele viajavam com a filha, Jéssica, de 36 anos, que segue internada no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, na capital mineira. José Luiz trabalhou durante 24 anos em uma clínica na cidade. Pelas redes sociais, colegas de trabalho, pacientes, amigos e familiares lamentaram a tragédias. “Foi uma honra dividir meus dias, durante 11 anos de trabalho, com esse homem excepcional. Mais que um profissional excelente, era um ser humano excelente. Com todo seu jeito apressado, objetivo, mas que nunca deixou a desejar em seus atendimentos, pontualíssimo e super honesto, bondoso e justo. Sua memória será sempre motivo de honra e jamais será esquecida. Descanse em paz, dr!”, escreveu a secretária do Hospital de Olhos, Núbia Teixeira.“Os olhos se fecham, mas seu legado ficará marcado. Os momentos de alegrias e companheirismo sempre serão lembrados por todos nós. Obrigado pela amizade e dedicação ao longo desses 24 anos no Hospital de Olhos de Governador Valadares. Toda a nossa solidariedade à família”, escreveu a direção da clínica no qual o oftalmologista trabalhava. O corpo de José Luiz foi sepultado no Cemitério Memorial Park, em Governador Valadares, ontem à tarde.
Estado de Minas