A docente, que prefere não se identificar, conta que no início do ano letivo fez uma série de atividades para elaborar um diagnóstico de aprendizado da turma. Uma dessas atividades era escrever um texto em formato de conto, com tema livre.
Segundo a professora, o aluno não participou dessa atividade porque não estava presente na escola no dia. A redação dele só foi escrita quando a professora fez os apontamentos e pediu que os alunos reescrevessem o texto. Ela só percebeu a ameaça quando foi ler as redações, em 20 de março.
“Mas quando ele me entregou o texto, disse que tinha sido muito criativo. E depois disso ficou muito insistente, perguntando se eu já tinha lido o texto”, relembra. A professora conta que não acreditou quando leu o conteúdo da redação. “Ele escreveu um texto narrando meu assassinato, dando detalhes e no final era ele o assassino”, descreve.
Problemas anteriores
O aluno já causou outros problemas na escola, de acordo com a professora. “Ele não tem limite, filtro para nada, é muito explosivo. Ele está fora da faixa etária, tem 16 anos e está no 9° ano. A família dele é extremamente problemática.” Ela disse que, mesmo diante desse histórico, a escola não adotou nenhuma atitude.
De acordo com a profissional de educação, o único atrito com o estudante aconteceu depois que ele já tinha escrito o texto. “Comigo nunca tinha acontecido nada. Ele não se identifica com o gênero masculino e queria ser chamado por um nome feminino”, conta. A professora disse que explicou ao adolescente que como ele é menor, os pais deveriam ir à escola e autorizar a mudança do nome social. “Mas não foi uma briga, apenas um atrito e não teve nada além disso.”
Segundo ela, com outros professores o adolescente chegou a discutir pelo mesmo motivo. “Acho que aconteceu comigo (a ameaça) porque eu dei a chance dele se expressar.” A professora revela que uma colega de sala dele contou que a ameaça feita poderia ser para mais da metade da escola, contra professores e colegas.
Denúncia e silêncio
Segundo o advogado contratado pela professora, Jordan Afonso, assim que ela leu a redação, comunicou a ameaça à diretoria da escola, a Superintendência Regional de Ensino (SRE) Metropolitana A, além de fazer um boletim de ocorrência. Ela foi orientada a parar de frequentar a escola, já que a diretoria não tomou nenhuma providência.
A diretoria da escola apenas enviou mensagem perguntando se a professora continuaria faltando às aulas, conta o advogado.
“Eles não deram nenhuma informação. Se iam solicitar o comparecimento de uma patrulha da Polícia Militar no local, se iam tomar alguma medida de segurança ou tentar a transferência dela. Simplesmente só queriam saber se ela ia continuar faltando ou não”, destacou.
Ainda de acordo com o advogado, a SRE Metropolitana A informou que a escola deveria fazer a abertura de procedimento. “Porém, a diretora da unidade de ensino não fez o procedimento até o momento. Achamos perigoso ela ir, vamos notificar a Secretaria de Educação para verificar se vão dar alguma resposta sobre a garantia de segurança dela.”
Afonso diz estranhar ainda “a completa inércia da escola". “Conversei com outros diretores escolares e todos falaram que nesses casos, o aluno é suspenso e são tomadas medidas. A segurança é chamada, a transferência do professor pode ser pedida. O diretor tem uma série de ferramentas que podem ser empregadas e não foram.” Ele ressalta ainda que a legislação estadual prevê casos de exclusão e transferência de servidores.
Medo e desamparo
A professora afirma que não se sentiu apoiada pela escola. “Quando eu expus para a direção o caso, nem a patrulha escolar foi chamada. O vice-diretor até falou comigo que isso era (uma ameaça) ‘da boca para fora’ e que o aluno não ia fazer nada. Me senti totalmente desamparada.”
Ela conta que não vai à escola desde 24 de março, por medo. “Estou levando falta. A diretora disse que a escola está sofrendo problemas com a minha ausência, mas a minha segurança não está sendo levada em conta em momento algum. Vai chegar em maio e não vou receber um centavo porque não trabalhei. “É um descaso total e não é só comigo, com meus colegas também. Um aluno desse é uma ameaça para toda a escola.”
Segundo a docente, o estudante teria sido expulso de casa na semana em que o caso foi denunciado à direção. “O vice-diretor me contou que o aluno atacou a mãe dele com uma faca em casa. Se ele faz isso com a mãe, o que pode fazer comigo?”
Além da Escola Estadual Carlos Góes, a professora dá aulas em outra unidade de ensino particular. Mas ela conta que está indo trabalhar na outra escola com muito medo.
A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais informou, em nota, que o serviço de inspeção escolar da Superintendência Regional de Ensino Metropolitana A, responsável pela coordenação da escola, está acompanhando a situação e prestando todo o apoio à docente, bem como ao estudante e aos seus responsáveis legais. Ainda segundo a secretaria, todos os envolvidos foram ouvidos pela unidade escolar.
“Reforçamos que a SEE-MG conta com o Programa de Convivência Democrática, com foco na promoção da paz no ambiente escolar, e com os Núcleos de Acolhimento Educacional (NAEs), formados por psicólogos e assistentes sociais, que atuam nas escolas estaduais de todo o Estado. Os especialistas auxiliam na gestão escolar e na resolução de conflitos, na identificação de situações de vulnerabilidade em relação aos estudantes e na promoção de ações que cooperem para a saúde do ambiente escolar.”