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Câmara dos Deputados: 62 PLs sobre segurança nas escolas são protocolados


 

Há menos de duas semanas, em 27 de março, um aluno do oitavo ano de uma escola na Zona Oeste de São Paulo (SP) invadiu o local onde estudava, feriu quatro pessoas e matou uma professora de 71 anos a facadas. Na semana seguinte, em Blumenau (SC), um homem de 25 anos entrou em uma creche e matou quatro crianças com golpes de machadinha. Nos dias que sucederam os crimes bárbaros, casos semelhantes se repetiram pelo Brasil e, só em Minas Gerais, mais de 20 menores de idade foram apreendidos neste mês por ameaças de massacres ou por portarem armas em ambiente escolar. É neste cenário que alunos e pais apresentam seus receios e parlamentares protocolam projetos de lei (PLs) às dezenas para mostrar uma reação à escalada de violência nas instituições de ensino.

 

Desde o ataque na capital paulista, foram protocolados 62 projetos de lei na Câmara dos Deputados relacionados à segurança no ambiente escolar. A maior parte das propostas parte de parlamentares de oposição ao governo e se concentram em ações com impacto imediato. A medida mais comum entre as proposições pede a tipificação específica do crime de invasão e ataque a escolas ou de maior rigor às punições aplicadas a infrações desta natureza, somando 18 PLs ao todo.

 

Entre os 62 PLs protocolados na Câmara em cerca de 15 dias, oito determinam medidas relacionadas à instalação de detector de metais na entrada de escolas públicas e privadas; outros oito tratam sobre a presença de forças de segurança dentro ou nos arredores das instituições; e sete defendem o uso de armas de fogo em ambiente escolar, sejam elas utilizadas por policiais ou mesmo por professores.

 

AÇÃO E REAÇÃO

No âmbito estadual, na quarta-feira (12/4), a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou em 2º turno o Projeto de Lei 993/19, de autoria do deputado Sargento Rodrigues (PL). O texto do PL prevê a capacitação de alunos e educadores para treinamento em caso de urgências como atos violentos, acidentes e desastres. A proposta ainda trata sobre a formação de brigadas de emergência e de equipes de monitores para auxílio especializado.

 

A forma como os parlamentares reagiram nos primeiros dias e semanas após os atentados a escolas é vista como pouco eficiente por especialistas na tentativa de resolver o problema a longo prazo e trabalhar na prevenção de novos eventos da mesma natureza. O teor dos PLs, no entanto, não é uma surpresa para quem estuda o assunto. Em entrevista ao Estado de Minas, a professora da Faculdade de Educação da UFMG e pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp-UFMG), Valéria Oliveira, conta que medidas de agravamento penal são comuns após crimes de grande impacto social e midiático.

 

“Essa resposta era, de alguma forma, esperada. Vivemos no Brasil uma tendência a responder a crimes de grande repercussão com o endurecimento da legislação. É fácil perceber a trajetória das políticas públicas sobre violência e segurança pública no país. Quanto temos um sequestro de grande repercussão, por exemplo, surgem propostas para torná-lo um crime hediondo e aí por diante. Ao contrário de planejarmos políticas, a gente vai a reboque do que aconteceu e, desta forma, a tendência é que as propostas sejam sempre visando respostas no curto prazo”, afirma a professora.

 

A pesquisadora destaca que é um momento em que é compreensível que alunos, pais e a sociedade como um todo estejam apreensivos e temerosos, mas a pressão popular não deveria ser o único propulsor de medidas para contenção de danos e prevenção de novos casos. Valéria também ressalta que os projetos de lei já apresentados podem ter boas consequências à segurança do ambiente escolar, embora não apresentem medidas mais completas para atacar a raiz dos problemas e investir não apenas na remediação, mas na prevenção.

 

“Essas estratégias podem até ser importantes para alguns tipos de eventos, mas não são para todos. A gente viveu na pandemia, por exemplo, vários arrombamentos e assaltos a escolas e essas medidas de sistema de câmera e alarmes podem ser interessantes na proteção do patrimônio. Mais do que isso, além das câmeras, é necessário ter quem opere as câmeras, veja as imagens e seja capaz de dar uma resposta”, aponta.

 

Para Valéria, no entanto, medidas como policiamento dentro das escolas esbarram em uma inviabilidade técnica de se manter agentes para todas as instituições de ensino e não representaria um empecilho suficiente para evitar ataques, por mais que possa fornecer uma resposta mais rápida a eventuais agressores. A pesquisadora avalia que é preciso entender a especificidade de crimes semelhantes aos ocorridos em São Paulo e Santa Catarina para propor mecanismos de prevenção.

 

“Se pensamos em um crime contra o patrimônio, é natural que a pessoa evite uma escola que tem vigia ou sistema de câmeras para ter como alvo um local desprotegido. Mas quem comete um crime de ódio, um crime que envolve a eliminação do outro, que muitas vezes está atrelado a alguma questão de saúde mental, não necessariamente age desta maneira. Basta observar que muitos ataques são filmados por sistemas de câmeras. A solução dos seguranças armados em ambiente de ensino foi uma das respostas mais comuns nos Estados Unidos e também se mostrou ineficiente”, analisa.

 

 

 

Respostas precisam ser complexas

 

A professora Valéria Oliveira explica que as ações de prevenção a novos crimes em escolas passa por medidas integradas e, no âmbito da segurança pública, que demanda sistemas de inteligência eficientes. Segundo a pesquisadora, os serviços policiais que monitoram o espaço digital para encontrar conteúdos com potencial ofensivo ou mesmo anúncios de atentados devem estar integrados com os profissionais dentro das escolas, pessoas capacitadas para perceber mudanças de comportamento dos alunos.

 

A pesquisadora ressalta que o bom funcionamento dessa integração é essencial, pois muitas vezes denúncias feitas por professores não têm prosseguimento de investigação ou oferecimento de assistência a docentes e alunos. O ataque à Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo (SP), é um trágico exemplo desta falta de comunicação. 

 

Em fevereiro, um mês antes do ataque de um adolescente de 13 anos que matou uma professora na escola, uma outra docente da instituição registrou um boletim de ocorrência na Polícia Civil mostrando que o jovem estava publicando conteúdos suspeitos nas redes sociais e encaminhando mensagens com fotos de armas para alunos e alguns pais. A comunicação à polícia e as postagens abertas na internet não foram suficientes para evitar o ataque.

 

AVALIAÇÃO DE RISCOS

Valéria aponta que o treinamento dos profissionais de educação para evitar que novos ataques aconteçam deve ser mais amplo do que sugerem PLs que tratam sobre técnicas de defesa pessoal ou mesmo munir professores com armas de fogo. Ela destaca que esta percepção dos problemas dos alunos já é uma função exercida em sala de aula, como quando crianças que sofrem abusos sexuais e agressões em casa têm sinais da violência percebidos primeiro justamente dentro das salas de aula. As ações para cessar os atentados em instituições de ensino passam antes pela capacidade de ajuda e assimilação de risco do que na resposta a eventos em estágio já crítico.

 

“A resposta é muito mais complexa do que esses projetos de lei sugerem. Eu não estou dizendo que eles não tenham alguma relevância, mas que esse tipo de medida não é suficiente e não vai eliminar a chance de que esses eventos aconteçam no Brasil e nas nossas escolas. Se o professor percebe que um estudante está com um comportamento mais agressivo, ou que tem dificuldade de relacionamento, esse grupo poderia pensar junto nas ferramentas para intervir, ajudar o aluno. O treinamento é mais complexo, não é o professor aprender técnicas de defesa pessoal, manejar uma arma de fogo, até porque diante de todas as exigências de formação continuada aos docentes, é difícil imaginar que eles tenham de fazer um curso de tiro”, comentou Valéria. 

 

Para a pesquisadora, a onda de ataques reflete um momento de deterioração na qualidade de convivência dentro e fora das escolas, e a resposta para eventos violentos deve conter um esforço para não aumentar o cenário de insegurança e medo. 

 

“A gente precisa é investir na pesquisa; as secretarias investirem em apoio aos professores e diretores, que em muitos casos se sentem muito sozinhos sem saber o que fazer quando os problemas acontecem; investir em prevenção, mais do que só em reagir de uma maneira exacerbada com pânico, que é o que eu tenho percebido. A tranquilidade tem que partir de algum lugar e, se neste momento os pais estão se sentindo acuados e com medo, ela deve partir da opinião pública, das universidades, do poder público, de um governador, das secretarias. Tem que haver uma reflexão permanente sobre como isso tem afetado a função da escola, que é ensinar e promover a formação humana”.

 

 

Entre 27/3 (dia do ataque em São Paulo) e o início da tarde de 14/4

  

 

Estado de Minas

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