Curiosamente, estes ônibus que circulam na cidade paulista foram comprados pelo governo de Minas Gerais, na década de 1980, para integrar um sistema de trólebus planejado para funcionar em BH. Parte da infraestrutura viária para receber os veículos foi construída, os ônibus foram encomendados e pagos, mas nunca chegaram a rodar na capital mineira, devido a circunstâncias que envolveram problemas políticos e administrativos.
- Passageiros de BH aprovam ônibus elétrico em testes
O Estado de Minas viajou a São Bernardo do Campo para mostrar como estão os trólebus que poderiam hoje fazer parte da frota de transporte público da capital mineira, que atualmente testa outros modelos de ônibus elétricos – estes movidos a bateria interna – como uma opção para modernizar o serviço e reduzir a emissão de gás carbônico na atmosfera.
Vale lembrar que na década de 1980 os estados eram responsáveis pelo transporte público das cidades. Por isso que na época o projeto do trólebus foi conduzido pelo governo de Minas. A municipalização desse tipo de serviço só ocorreu após a Constituição de 1988, quando as prefeituras assumiram a função.
BH já foi pioneira
Em 1953, BH foi a segunda cidade brasileira a implantar um sistema de trólebus. As primeiras linhas partiam do Centro e seguiam para os bairros de Lourdes, Coração de Jesus, Santa Lúcia e Santo Antônio. Os trólebus são ônibus elétricos sem baterias. No teto, hastes se ligam à rede aérea de energia e alimentam o motor elétrico, num sistema parecido com o metrô.
Nesta primeira experiência, Belo Horizonte chegou a ter uma frota de 50 trólebus. Hoje, a cidade testa um único ônibus elétrico em meio à frota de 2.543 veículos a diesel. Outras capitais já contam com modelos elétricos no transporte público, como São Paulo, Salvador (BA), Brasília (DF), Vitória (ES) e Manaus (AM). Além das questões ambientais, o interesse crescente por esses modelos têm uma justificativa econômica.
Apesar de um ônibus elétrico a bateria custar cerca de R$ 1,4 milhão, o gasto estimado em energia para fazer com que ele rode cerca de 25o quilômetros é de, aproximadamente, R$ 38. Enquanto isso, os modelos a diesel são comprados por cerca de R$ 667 mil, mas gastam R$ 600 em combustível para percorrer a mesma distância. A longo prazo, o investimento para empresas e a cidade compensa, segundo especialistas do setor.“O veículo elétrico tem uma vida útil maior do que a dos veículos a combustão. É um carro com rodagem mais suave, que roda em velocidades mais constantes e com freadas não tão bruscas”, explica Rodrigo Lopes, gerente de manutenção da Next Mobilidade, empresa que opera os trólebus de São Bernardo do Campo.
Fora do ponto
A primeira tentativa do governo estadual de consolidar um transporte de trólebus em BH ocorreu alguns anos antes da compra da frota que atualmente roda nas ruas de São Bernardo do Campo. Em 1957, foram importados dos Estados Unidos 50 ônibus que, por falta de verba para pagar o frete e taxas alfandegárias, ficaram retidos no porto do Rio de Janeiro. Metade dos veículos foi liberada em 1959, e o restante no ano seguinte, mas já danificados pela ação do tempo e da maresia.Entre 1953 e 1959, o sistema trólebus transportou em Belo Horizonte 3,5 milhões de passageiros por ano. Em 1961, este número saltou para 25 milhões. Os trólebus eram um sucesso e os passageiros consideravam eles mais confortáveis e confiáveis do que os ônibus convencionais, mas isso não impediu que o governo mineiro decidisse encerrar o serviço.Um dos argumentos usado na época era de que a energia elétrica em Belo Horizonte era muito cara, o que tornava mais vantajoso o uso de ônibus a diesel. Em 1967, a maior parte dos trólebus da capital mineira, então, foi vendida para Recife (PE), onde circularam até 2001.
Anos 1980 e a quase volta dos trólebus
Os anos 1970 foram marcados na economia mundial pelo aumento do preço do petróleo, com o barril saltando US$ 10 no começo da década para quase US$ 60. A maior parte do óleo consumido no Brasil era importado, o que afetou a economia brasileira.Em 1979, o governo federal criou o Programa de Mobilização Energética, que tinha, entre vários objetivos, substituir parte do consumo de combustíveis fósseis pela energia elétrica. Uma das linhas defendidas pelo projeto era a implantação do serviço de trólebus nas grandes cidades, o mesmo que havia sido extinto em BH 10 anos antes.
Em janeiro de 1986, foi aberta concorrência para aquisição de 55 trólebus que fariam a ligação entre Venda Nova e o Centro de BH, pela recém-inaugurada Avenida Cristiano Machado. A previsão era de que o serviço começasse a operar em março do ano seguinte, atendendo cerca de 120 mil passageiros por dia. No futuro, o projeto seria expandido para outras regiões da cidade.
O custo total, incluindo veículos e toda a infraestrutura elétrica, estava orçado em Cr$ 520 bilhões (cerca de R$ 730 milhões), financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com a participação do governo estadual. Em julho de 1987, quando postes para a rede elétrica dos trólebus eram instalados na avenida, as obras foram suspensas por falta de verbas.
CPI investiga os trólebus
Em fevereiro de 1989, foi instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar, entre outros assuntos, a suspensão das obras do trólebus. Em declaração à CPI, Dário Rutier, ex-presidente da Metrobel, órgão que gerenciava o transporte coletivo na Grande BH, afirmou que 60% das obras estavam concluídas, tendo sido gasto 75% do orçamento. Rutier atribuiu a interrupção das obras a uma decisão política, sem culpar diretamente o então governador, Newton Cardoso (MDB).
Trólebus ou VLT?
Enquanto a CPI realizava seu trabalho, o governo estadual apresentou um projeto para implantar um sistema de veículo leve sobre trilhos (VLT), mas a iniciativa foi combatida pela oposição, que cobrava uma prestação de contas relativas às obras do trólebus.
A CPI concluiu que houve assinatura de contratos sem concorrência, prestação de serviços sem o contrato equivalente e envolvimento de ex-integrantes do governo com empresas participantes das concorrências. Depoimento de técnicos diziam que os VLT seriam insuficientes para a demanda prevista na Região Norte e que a solução mais viável seria estender o metrô até Venda Nova, o que só foi feito em 2002.
Uma longa viagem
Da encomenda original de 55 veículos para o serviço de trólebus dos anos 1980, 44 foram fabricados. Dois deles foram entregues a BH em 1989 e ficaram, por muitos anos, em um pátio do DER no Bairro Horto, até serem vendidos como sucata em leilão ocorrido em 2021.
Os outros 42 trólebus ficaram parados na fábrica da Marcopolo, em Caxias do Sul (RS), até que, em 1993, 20 unidades foram vendidas para a cidade de Rosário, na Argentina. Passaram por reformas ao longo dos anos e continuam a atender os moradores.
A frota restante, de 22 trólebus, foi vendida para a Eletrobus, de São Paulo (SP), em 1996. Pouco tempo depois, repassada para a Metra (atual Next Mobilidade), operadora do Corredor ABD, que atende cinco cidades da Região Metropolitana de São Paulo.
O gerente de manutenção da empresa, Rodrigo Lopes, afirma que os trólebus recebem um carinho especial, com equipes focadas nos sistemas mais sensíveis. “Como nós temos corredores exclusivos, facilita pra gente operar com este tipo de veículo. Além disso, o custo por quilômetro dele é muito abaixo do que do veículo a diesel.”
Estes veículos foram reformados entre 2014 e 2015 para melhorar o conforto e a segurança. A empresa não pretende acabar com o sistema trólebus, garante Lopes. Além da questão financeira, os veículos são aprovados pelos passageiros por serem silenciosos. “Eles vão continuar em operação, provavelmente, até 2026, que é quando termina o prazo de vida útil estimado deles, de 30 anos”.
Estado de Minas