O presidente Jair Bolsonaro (PL) estava nos Estados Unidos com o ministro da Justiça, Anderson Torres, quando, segundo Milton Ribeiro, telefonou para avisar sobre um "pressentimento" de que haveria uma operação da Polícia Federal contra o ex-ministro da Educação.
Como titular da Justiça, Torres tem sob a aba do seu ministério a Polícia Federal, responsável pela operação Acesso Pago, que prendeu e fez busca e apreensão em endereços de Ribeiro e pastores citados em irregularidades na liberação de verbas do MEC (Ministério da Educação).
O atual diretor-geral da PF é Márcio Nunes, amigo de Torres. Ele ocupava o cargo de secretário-executivo da Justiça antes de ser nomeado como chefe do órgão.
A reportagem apurou que a ida de Torres na comitiva com Bolsonaro foi decidida de última hora e que, a princípio, não havia previsão para o ministro acompanhar o presidente na Cúpula das Américas.
Procurado, o ministro da Justiça não respondeu.
O suposto vazamento da operação e a suspeita de interferência de Bolsonaro na investigação resultaram em pedido do MPF (Ministério Público Federal) para que o caso fosse enviado ao STF (Supremo Tribunal Federal).
A solicitação foi aceita pelo juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal de Brasília, que encaminhou o inquérito para a ministra Cármen Lúcia, do Supremo.
Em sua decisão, o magistrado citou que o MPF apontou o "indício de vazamento da operação policial e possível interferência ilícita por parte do presidente da República Jair Messias Bolsonaro nas investigações".
O MPF e a PF sustentam a versão de possível vazamento e interferência com base em interceptações telefônicas feitas ao longo da investigação.
Em conversa em 9 de junho com sua filha, Ribeiro disse que falou com Bolsonaro naquele dia e que ele teria dito estar com o "pressentimento" de que iriam atingi-lo por meio de uma investigação contra o ex-ministro.
"Hoje o presidente me ligou, ele está com pressentimento, novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim. É que tenho mandando versículos para ele", disse Ribeiro na conversa revelada pela GloboNews e confirmada pela Folha de S.Paulo.
Questionado pela filha sobre se Bolsonaro queria que o ministro parasse de enviar mensagens, Ribeiro negou e citou a suspeita levantada pelo presidente. "Não, não é isso. Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão... em casa... sabe... é... é muito triste", disse.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, outra conversa, gravada na quarta (22) -dia em que Ribeiro foi preso-, reforça a tese da PF de que o ex-ministro foi informado com antecedência sobre a possibilidade de ocorrer uma operação contra ele.
Segundo a esposa disse a um interlocutor de nome Edu, Ribeiro "não queria acreditar", mas os "rumores do alto" apontavam que uma operação iria ocorrer.
"Ele tava, no fundo ele não queria acreditar, mas ele estava sabendo. Para ter rumores do alto é porque o negócio estava certo", disse a esposa de Ribeiro no telefonema.
A cronologia dos atos dentro da investigação mostra que em 9 de junho, quando Bolsonaro estava com Torres nos Estados Unidos, o delegado Bruno Calandrini já havia solicitado as buscas e apreensões contra Ribeiro.
O pedido foi feito em 4 de abril e autorizado pelo juiz Renato Borelli, da Justiça Federal do Distrito Federal, em 17 de maio.
Em oficio encaminhado a Borelli nesta sexta (24), o delegado Calandrini afirmou que as datas das conversas interceptadas reforçam as evidências de que Ribeiro "estava ciente da execução de busca e apreensão em sua residência".
"Nos chamou a atenção a preocupação e fala idêntica quase que decorada de Milton com Waldemiro e Adolfo e, sobretudo, a precisão da afirmação de Milton ao relatar à sua filha Juliana que seria alvo de busca e apreensão, informação supostamente obtida através de ligação recebida do presidente da República", disse o delegado.
Para o investigador, "os indícios de vazamento são verossímeis e necessitam de aprofundamento diante da gravidade do fato".
O delegado também abordou em seu ofício quais as diligências que estavam sendo efetuadas no período de 9 de junho, quando Bolsonaro estava com Torres nos EUA.
Segundo ele, entre 23 de maio e 13 de junho, a PF fazia levantamentos para confirmar os endereços de Ribeiro, dos pastores Gilmar e Arilton e do ex-assessor do MEC Luciano Musse.
Advogado de Jair Bolsonaro, Frederick Wassef disse nesta sexta-feira (24) que não houve a conversa entre o presidente e o ex-ministro Milton Ribeiro e que o chefe do Executivo não interfere na Polícia Federal.
O advogado afirmou ainda que caberá a Ribeiro explicar o uso "indevido" do nome do presidente.
"Não existe nada entre o presidente e o ex-ministro. Eles não têm contato, eles não se falam", disse Wassef. "Se o ex-ministro usou o nome do presidente Bolsonaro, usou sem seu conhecimento, sem sua autorização. Ele que responda. Compete ao ex-ministro explicar por que é que ele usa de maneira indevida o nome do presidente da República."
Um dia após ser preso em operação da Polícia Federal sobre um balcão de negócios montado no MEC, o ex-ministro foi solto por decisão do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região).
O juiz federal Ney Bello decidiu na quinta (23) pela revogação da prisão preventiva de Ribeiro e dos demais detidos na operação Acesso Pago, entre eles os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, ambos ligados a Bolsonaro.
Ribeiro é investigado pelas suspeitas de crimes de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência, num caso que enfraquece ainda mais o discurso anticorrupção de Bolsonaro.
Ainda na quinta, Bruno Calandrini, delegado da PF responsável pelo pedido de prisão, afirmou em mensagem enviada a colegas que houve "interferência na condução da investigação" e citou tratamento diferenciado ao ex-ministro, que não foi transferido para a sede da corporação em Brasília -como havia decidido na quarta o juiz Borelli.
Já Ney Bello, que revogou as prisões, está em campanha para ser indicado por Bolsonaro para uma das duas vagas de ministros abertas no STJ (Superior Tribunal de Justiça).