A prévia da inflação de agosto apontou para mais uma deflação, desta vez de 0,73%. O resultado foi apurado a partir do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) nesta quarta-feira (24) sob forte impacto da redução tributária que baixou os preços da gasolina no Brasil. O principal reflexo foi para os setores de transporte, habitação e comunicação que acabaram puxando a redução geral para os outros setores.
O cenário, entretanto, ainda não impacta o setor de alimentos, que mantém a tendência de crescimento de gastos. Para os próximos meses, conforme especialistas ouvidos por O TEMPO, a previsão é de que o encarecimento geral sobre a cadeia produtiva se mantenha em queda, fator considerado positivo a curto prazo. No entanto, a longo prazo, o país terá uma conta salgada para pagar a partir de 2023 em função de benefícios concedidos que ajudam na redução da inflação.
Na avaliação do economista-chefe da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Minas Gerais (Fecomércio MG), Guilherme Almeida, o impacto da redução das alíquotas do ICMS é latente. Ele lembra que os três setores que registram deflação nos resultados do IPCA-15 - comunicação, habitação e transportes -, estão diretamente ligados ao teto do ICMS implementado pelo governo para reduzir as alíquotas não só para a gasolina, mas também para telefonia móvel e fixa, internet e energia elétrica.
“Mas nós temos ainda outras condicionantes no cenário para contribuir com a deflação”, afirma Guilherme ao citar a normalização da economia na China, após o fim da série de lockdowns para contenção da Covid-19. O economista também afirma que a baixa nos preços das commodities também pode contribuir. O barril de petróleo nesta semana retomou à cotação praticada antes do início da guerra entre Rússia e Ucrânia após chegar ao custo de US$ 130.
“Não acredito que vá continuar caindo de forma tão intensa para manter dentro da meta perseguida pelo Banco Central. Ainda vai continuar na casa dos 7% na análise do acumulado de 12 meses, mas é uma redução importante”, atesta Almeida. Já o professor do curso de Economia do Ibmec-BH Paulo Casaca afirma que a deflação depende diretamente do custo do barril de petróleo no mercado internacional, já que as reduções nas alíquotas do ICMS já surtiram o efeito esperado.
“O que o governo tinha que ter feito para reduzir o preço dos combustíveis foi feito. Agora o que pode acontecer são novos movimentos de queda ou aumento no preço internacional do petróleo que vai interferir no Brasil”, reforça o economista. A dependência se justifica pela Política de Paridade de Importação (PPI) adotada pela Petrobras para precificar os derivados de petróleo no Brasil.
Ainda conforme Casaca, novas quedas devem se dar a partir do impacto do uso do combustível em alguns setores para transporte ou produção. “E aí pode reverberar nos próximos resultados, mas com um impacto menor que o atual”, acrescenta. Líder regional da XP em Minas, a economista Jéssica Oliveira confirma a deflação concentrada em poucos itens. Para ela, o recuo não atinge setores essenciais ao consumo das famílias como a alimentação, que se mantém em alta novamente mesmo com o cenário geral indicando queda.
“A expectativa é que os preços de bens industriais e serviços devem desacelerar, mas ainda permanecer elevados por conta dos custos pressionados e da demanda estimulada por programas de transferências governamentais de renda”, explica Oliveira.
Se a deflação resulta em um alívio a longo prazo principalmente nos gastos com transporte, energia elétrica e telecomunicações, o cenário não é positivo. A economista da XP lembra que além das reduções tributárias, a concessão de benefícios, consolidados a partir da PEC Kamikaze, vai interferir diretamente na inflação em 2023. A norma reajustou o Auxílio Brasil para R$ 600 até dezembro, bem como concedeu repasses de R$ 1.000 para taxistas e caminhoneiros também ao final do ano.
O pacote tem um custo estimado de R$ 42 bilhões aos cofres públicos. “O aumento dos gastos do governo, especialmente via transferência de renda, deve sustentar o consumo e pressionar as expectativas de inflação. Dessa forma, elevamos a projeção de inflação de serviços para o ano que vem, de 6,5% para 7,2%, já considerando que a política monetária deverá ficar mais restritiva no ano, e também dos bens administrados (medicamentos, planos de saúde e transporte coletivo) de 6,7% para 7,7%”, afirma Jéssica, destacando que a projeção do IPCA para o próximo ano foi revista passando de 5,0% para 5,5%.
Na mesma linha, o professor Paulo Casaca, do Ibmec, afirma que a conta dos benefícios concedidos neste ano serão pagos a partir de 2023, o que vai exigir do governo eleito uma grande capacidade de gerenciamento da situação tributária e do pagamento de benefícios. “Nosso gatilho fiscal que era o teto de gastos públicos foi jogado no lixo. A política de aumento do Auxílio Brasil, redução do ICMS, é totalmente eleitoreira e foi feita para durar só até o fim ano para impulsionar a campanha do presidente Jair Bolsonaro. E a oposição votou a favor porque não queria a pecha de ter votado contra propostas que favorecem a população”, afirmou o docente.
Para ele, a população deve evitar gastar além do orçamento, para evitar um aperto nas dívidas. “Vai ser ruim para toda a população, porque o imposto vai subir novamente, a gasolina vai ficar mais para. Talvez a política social não consiga se manter de forma sustentável. Vamos ter incertezas no futuro, com mercado financeiro subindo taxas de juros”, complementa.
De acordo com Guilherme Almeida, a pressão inflacionária a partir de 2023, entretanto, pode ser freada com a geração de empregos. “Se o mercado continuar em um ritmo mais aquecido, com geração de emprego e renda, pode ser que esse efeito seja minimizado. Mas que vai existir um impacto de reposição no índice de preços, certamente vai”, atesta o economista da Fecomércio Minas.