Fundado em 3 de março de 1933, o Aeroporto de Belo Horizonte, mais conhecido como Aeroporto da Pampulha, completa hoje 90 anos em um cenário de indefinição sobre o futuro. O terminal já foi o principal da capital antes de perder espaço para Confins a partir dos anos 2000. A mudança significou para moradores da capital um aumento de mais de 30 quilômetros na distância entre o Centro da cidade e o ponto para embarques e desembarques aéreos. O retorno da Pampulha ao mapa dos voos comerciais voltou a ser debatido na campanha eleitoral do ano passado, quando o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) levantou a hipótese e o interesse encontrou eco na gestão do governador Romeu Zema (Novo). Especialistas e moradores da região avaliam quais são as chances e a viabilidade de a ideia alçar voo.
Durante entrevista exclusiva aos Diários Associados no ano passado, Lula citou os aeroportos de Santos Dumont e Congonhas, que ficam em áreas centrais de Rio de Janeiro-RJ e São Paulo-SP, para se referir ao terminal da Pampulha. “Obviamente que todo mundo quer pegar um avião pertinho, o cara quer andar o menos possível. Coloque duas passagens: uma para Congonhas e a outra para para Guarulhos e fala pro cara pegar melhor, é claro que vai pegar Congonhas. Aqui se der oportunidade, o cara só vai querer viajar da Pampulha.”
Por parte de Minas, o Aeroporto da Pampulha foi tema de uma das primeiras sinalizações de aproximação entre Zema e Lula. O então secretário de Infraestrutura e Mobilidade Urbana, Fernando Marcato, sinalizou, no fim de 2022, que o governo estadual é favorável ao retorno da aviação comercial ao terminal. “É um desejo do estado garantir a reabertura. Essa é uma decisão da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que passa pelo governo federal e a concessionária tem que fazer os estudos dela. A parte do estado, acredito que está sendo feita, há um desejo manifestado por nós e acreditamos que a partir do ano que vem já tenhamos uma ideia mais clara sobre esse tema. A ideia é termos na Pampulha uma característica de ponte aérea, ligando BH a alguns destinos específicos, especialmente às grandes capitais do país, com São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília como os primeiros destinos”, disse o secretário à época.
A administração do Aeroporto da Pampulha foi oficialmente repassada à iniciativa privada em fevereiro do ano passado. A CCR, mesma concessionária que opera Confins, ficará responsável pelo terminal pelos próximos 30 anos e deverá investir cerca de R$ 151 milhões durante o período. Nos três primeiros anos, R$ 65 milhões deverão ser aplicados no terminal.
Em nota, o grupo CCR afirma que segue com avanços no cronograma de investimentos para o aeroporto e se mantém disposto a estudar soluções e projetos voltados à diversificação na oferta de serviços de aviação. A empresa ainda salientou a realização de obras no terminal para a construção de um centro comercial, previstas para começar neste semestre. “É importante destacar que o desenvolvimento de um novo Terminal de Passageiros integrado a um Complexo Comercial, com uma concepção moderna e de alto padrão e que também contará com um Edifício Garagem, ainda é um projeto preliminar e está sujeito a adequações, bem como à avaliação de viabilidade econômica e financeira, análise e aprovação da própria Seinfra, além dos órgãos responsáveis pelo licenciamento ambiental e patrimônio histórico, dentre outros”.
A opinião de quem estuda a aviação na capital mineira varia em relação ao futuro do Aeroporto da Pampulha, mas não é descartada a possibilidade de um retorno do espaço a um posto de protagonismo em BH. Lúcio Flávio de Paula, presidente da associação “Pampulha Já”, que se manifesta pela utilização comercial do terminal, acredita que a concessão deixou o objetivo do grupo mais distante da realidade.
Para Lúcio Flávio, a intenção de não distribuir voos comerciais com Confins era reconhecida antes de o terminal da Pampulha ser entregue à administração privada. Ele aponta que a previsão de ter rotas saindo da Pampulha para outras cidades no estado e no país não foi apresentada pela CCR no estudo de viabilidade para a concessão e há um empecilho representado pela gestão conjunta dos aeroportos.
“A administração do Aeroporto da Pampulha foi passada ao governo do estado pouco antes da 7ª rodada de investimentos federais, que o contemplaria e também a outros aeroportos como Santos Dumont. Desde então, já é sabida uma intenção de não ter voos comerciais na Pampulha para não prejudicar Confins. Outra questão é que a CCR administra Confins junto com o grupo Zurich e poderia haver algum embaraço nessa parceria se houvesse um proatividade em ter voos comerciais na Pampulha”, aponta.
Já para o professor e coordenador do Curso de Ciências Aeronáuticas da Universidade Fumec, Aloisio Santos, a gestão conjunta de Pampulha e Confins não é um problema em si. Ele crê que a mesma empresa administrando os dois aeroportos pode favorecer a uma divisão entre as rotas, deixando voos para dentro do estado partindo do terminal da pampulha.
“Eu vejo com bons olhos ter a mesma administradora nos dois aeroportos. Se fossem concessionárias diferentes, nós poderíamos ter problemas. Você pode pensar que a concessionária pegou a Pampulha para assegurar que não houvesse concorrência. Eu acho que não foi assim, porque é um grupo sério. O que nos foi passado é que precisa ser feito investimento em infraestrutura e agora cabe ao poder público cobrar que ele saia do papel. É possível deixar a Pampulha como terminal para voos regionais e deixar voos domésticos e internacionais em Confins. Assim, você abre emprego em várias frentes, vários aeroportos que você viabiliza em várias cidades. Só não vai pra frente, porque falta investimento e análise de demanda e oferta”, aponta.
Lúcio Flávio de Paula, do movimento “Pampulha Já”, avalia que existe demanda suficiente em Belo Horizonte para que o aeroporto da capital possa ter voos domésticos para locais próximos, como São Paulo, sem prejudicar as rotas já estabelecidas em Confins. “Em BH temos uma demanda reprimida, especialmente para viagens rápidas. Muita gente deixa de viajar por conta de a cidade ter o aeroporto mais distante do país, em Confins. Essa demanda reprimida faz com que passageiros da aviação comercial migrem para a aviação executiva. Os voos executivos mais comuns na Pampulha vão para o Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, isso sugere que é viável ter viagens comerciais”, explica.
Na visão do presidente da “Pampulha Já”, o aeroporto reúne condições técnicas para comportar a aviação comercial, embora precise de algumas melhorias. No entanto, ele se preocupa com a possibilidade de medidas que inviabilizem essa ampliação do uso do terminal. “O aeroporto tem certificação para operação para aeronaves do porte até do Boeing 737. Evidentemente, não tem alguns equipamentos necessários para pousos em situações adversas, como de clima, mas isso não impede a utilização.O que nos preocupa é o contrato de concessão elaborado pela própria CCR que prevê algumas medidas artificiais como a desativação do serviço de combate ao incêndio, o que pode tornar o aeroporto inoperável para voos comerciais. Ainda assim, as normas para a aviação são federais e parte da União a decisão final nesse caso”, argumenta.
O coordenador do curso de Ciências Aeronáuticas da Universidade Fumec, Aloísio Santos, vê no Aeroporto da Pampulha um potencial para fortalecer as viagens comerciais dentro do próprio estado. O especialista aponta que o terminal ainda precisa de melhorias de infraestrutura para viabilizar uma agenda de voos comerciais, como obras de drenagem. Tais intervenções estão programadas para o início de 2023, de acordo com a Seinfra.
Na avaliação de Santos, seria interessante que a Pampulha fosse destinada a voos regionais, dentro do próprio estado. O professor acredita que a medida ajudaria a fortalecer terminais em outras cidades mineiras. “É importante investir na aviação regional e isso tem que ser feito analisando a demanda e a oferta. Não dá para simplesmente criar a concessão de 10 voos diários para determinada cidade sem saber se há passageiros. A Pampulha pode ser destinada a voos comerciais regionais, desta forma se investe nesse tipo de viagens. Assim você abre emprego em várias frentes, são vários aeroportos que você viabiliza em várias cidades. O impacto socioeconômico não fica na Pampulha”.
A possibilidade do retorno de viagens comerciais à Pampulha não gera opiniões unânimes entre passageiros e vizinhos do aeroporto ouvidos pela reportagem. Estevão da Cruz é supervisor de manutenção e costuma viajar em voos particulares para funcionários da empresa onde trabalha. Ele aprova a estrutura e aponta a praticidade e facilidade de acesso como trunfos do terminal. “Sou de Itabirito e a praticidade e a localização daqui são perfeitas, principalmente para quem mora no interior, os custos são mais baratos, o tempo na estrada fica menor e o risco também. Para Confins, eu tenho que sair de casa umas seis horas antes do voo e, com isso, você acaba perdendo muito tempo do dia. Se eu pegar um voo às 6h ou 7h da manhã, preciso dormir em BH”, disse.
Ele complementa elogiando a estrutura do aeroporto: “Minha experiência aqui é sempre tranquila, os voos funcionam bem. Nunca tive problema e já fiz mais de 20 voos. É muito válido ter voos comerciais aqui e de grande benefícios para muita gente”.
O aeronauta Eugênio Rocha mora há mais de 50 anos em uma rua paralela à pista do aeroporto. Ele não acredita que o fluxo de voos na Pampulha retorne ao que era antes de Confins e, ainda que a aviação comercial retorne ao bairro, pensa que existem intervenções mais prejudiciais à vizinhança. “Não acho que vá voltar porque o aeroporto não tem mais condições de receber a mesma quantidade de voos. Se voltar, não me incomoda. Eu moro aqui esse tempo todo e o aeroporto já estava aqui antes de mim. Neste quarteirão, fizeram mais de 300 apartamentos e vão fazer ainda mais e nós não temos rua para suportar essa quantidade de pessoas. Isso é muito pior que o aeroporto”, avalia.
Quem já mora nas proximidades do aeroporto há mais tempo lembra de quando o terminal era o principal do estado e não vê com bons olhos um eventual aumento de fluxo no local. É o caso da analista comercial Elizabeth Rocha. “Moro há mais de 30 anos no bairro, no tempo em que havia voos comerciais. Tinha um avião da Vasp que passava aqui que era muito barulhento, parecia que o céu estava caindo na cabeça da gente, meu filho nasceu aqui com esse barulho. Era muito ruim, mas a gente acaba se acostumando com o barulho. Mas quando os voos comerciais foram para Confins foi excelente”, disse a moradora do Bairro Santa Amélia.
Rogério Carneiro de Miranda é coordenador do Movimento Pampulha Viva, que reúne associações de vizinhos do aeroporto. Ele também tem ressalvas quanto ao retorno da aviação comercial no terminal e faz críticas ao funcionamento atual, restrito a voos particulares e fretados. “É um aeroporto que tem uma distância de apenas 300 metros da pista até as residências. Ele está numa cota geográfica mais baixa do que os bairros, então é como uma arena, os vizinhos em locais mais altos escutam lá de baixo todo o barulho do aeroporto. Outro problema é o vento que vem da Serra da Piedade e traz, para quem mora no lado sul, o cheiro muito forte de querosene utilizado pelos jatos, por exemplo”, aponta.
O professor Aloísio Santos ressalta que a viabilidade de retomar a aviação comercial na Pampulha passa, impreterivelmente, por uma discussão envolvendo todos os atores envolvidos. “Os voos comerciais na Pampulha seriam viáveis desde que houvesse um estudo e isso fosse discutido com a sociedade. Só a questão econômica é viável, mas e a questão social e ambiental? Isso precisa ser trazido para a mesa”.