Resende Costa – Subindo as picadas e trilhas indígenas no século 19, o pai da geologia brasileira, barão Friedrich von Eschwege, percebeu que cadeias de montanhas em Minas Gerais separavam as bacias do norte e do sul do Brasil. "Dei a essa espécie de equador a denominação geral de Serra das Vertentes", disse, fazendo menção ao grande volume de água que brotava dos altos morros.
Um dos cursos que ali nascem, o Rio Pará, chamava a atenção por sua ligação com o desbravamento do sertão brasileiro, como mostrou o alemão em carta de 1816. "Espero, ainda este ano, a sua visita, e, então, poderá assistir à partida de uma expedição, que se destina ao Rio Pará, de onde, por conta da Fábrica, trará certo número de índios, semicivilizados, que desejam viver em zona povoada".
Passados 207 anos, uma nova incursão desbrava o Rio Pará da sua nascente à foz, passando pelos principais afluentes. Desta vez, para unir a bacia hidrográfica pela conservação, contra a poluição e o desmatamento. A "Expedição Rio Pará 2023: esse rio é meu" é promovida pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará (CBH Rio Pará) começou ontem com a missão de chegar até a nascente do manancial, em Resende Costa, na Região dos Campos das Vertentes, próximo ao povoado de Hildebrando.
A reportagem do Estado de Minas acompanhou os desbravadores contemporâneos ao berço do Rio Pará, uma nascente pouco conhecida, sem registros de imagens e que até conselheiros do CBH Rio Pará com mais de 25 anos de instituição desconheciam. Fica a 10 quilômetros da cidade o ponto onde o Rio Pará inicia sua viagem de 365 quilômetros, por uma bacia habitada por 900 mil pessoas. A nascente é envolvida por uma mata ciliar fechada no fundo de um vale íngreme cercado por áreas de plantio que rotacionam milho e trigo. Para vencer a mata e chegar na surgência, só abrindo trilha a golpes de facão. As árvores de Mata Atlântica se adensam entre cipós e Ramos de espinhos, samambaias e tiriricas.
Os 16 expedicionários vieram de vários lugares, como Pará de Minas, Martinho Campos, Cláudio, Resende Costa entre outros. Para descobrir o local onde a água brota foi preciso formar três grupos e vasculhar a mata. Até que um grito entre o som dos golpes de facão indica a localização. “Está aqui, achei a nascente do Rio Pará”, exclamou um dos desbravadores após uma hora de expedição desde Resende Costa. Todos comemoraram.
É de um solo emaranhado por raízes de várias espessuras, que parecem um xaxim, que a água brota de vários pontos, fria e barrenta por causa da terra escura. Assim nasce o Rio Pará, surgindo difuso e não de um só olho d’água. “Fizemos história. Agora que encontramos a nascente, vamos instalar um marco no ponto e oferecer um cercamento da área para o proprietário das terras”, disse o presidente do CBH Rio Pará, José Hermano Franco, enquanto revolvia a água do berço do Rio Pará como se brincasse com ela.
“A ideia da expedição veio com a retomada das atividades do CBH Rio Pará após a pandemia e vários anos de contingenciamento de recursos. As pessoas não tinham aquela ideia de pertencimento com a bacia porque não conheciam o Rio Pará. É difícil preservar o que você não conhece. E o rio precisa muito das pessoas para ser preservado. O rio tem muitos pontos com níveis de contaminação críticos. Queremos mostrar os problemas, mas também a importância, onde nasce, onde termina, as cidades que banha, a cultura, a economia e a história”, explica Franco.
O prefeito de Resende Costa, Lucas Paulo de Assis Vale, considera importante receber a expedição para que a população conheça mais sobre a sua história e crie uma identidade. “O desafio é difundir isso, levar para as escolas, despertar a consciência de sustentabilidade. A população ter esse pertencimento e saber da importância para poder cuidar é fundamental”, disse.
O vereador do município onde nasce o rio, Elson Antônio Ribeiro, contou que nas terras da sua família também há uma das nascentes do Pará. “Não sabia que era uma nascente importante e quando descobrimos isso nos trouxe muito orgulho. Vamos preservar sempre, no pé da serrinha, entre plantações e uma mata”, precisou.
A expedição programada pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará vai até o dia 19, quando está prevista a chegada à foz do manancial, que desemboca no Rio São Francisco, entre Martinho Campos e Pompéu, no Centro-Oeste do estado, depois de atravessar 365 quilômetros e drenar cursos d'água de 35 municípios.
ESSE RIO É MEU
Confira a programação da expedição e algumas das atividades previstas
8/5, em Resende CostaNa cidade onde está a nascente do Rio Pará foi dado o pontapé da expedição, com uma recepção e boas-vindas pelo Executivo municipal, além da realização de uma coletiva de imprensa. Na sequência, o grupo fez visita técnica à nascente, com o objetivo de avaliar o estado e as condições do primeiro olho d’água do rio.
9/5, em ItaguaraRecepção à expedição no distrito de Pará dos Vilelas, a partir das 8h. A programação conta com visita técnica ao Pontilhão e à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, às margens do Rio Pará, apresentações artístico-culturais da E.M. de Pará dos Vilelas, exibição de vídeos e apresentações do CBH do Rio Pará, do Executivo municipal e do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) local.
10/5, em Pará de MinasAs ações serão concentradas no Parque Bariri. Na programação estão previstas uma Blitz Educativa, atividades interativas e uma roda de conversa com a Comissão Gestora Local (CGL) da Bacia Hidrográfica do Ribeirão Paciência, uma das duas bacias no território do Rio Pará onde foi declarado conflito pelo uso da água. Além disso, haverá duas exposições fotográficas: “Conhecendo a calha urbana do Ribeirão Paciência” e das vencedoras do concurso “Nossas Águas” (2022 e 2023).
11/5, em Carmo do Cajuru Às 6h45, haverá um Rio Tour, passeio guiado no Rio Pará, na Barragem de Cajuru. A saída será na Praça 1º de Janeiro (Praça da Prefeitura). A partir das 9h, as solenidades serão realizadas no Auditório Dona Lúcia Guimarães. Haverá apresentações do Programa de Conservação Ambiental e Produção de Água da Bacia do Ribeirão do Sapé (Agência Peixe Vivo), Programa Produtor de Águas do Ribeirão do Empanturrado (ANA) e de práticas sustentáveis em propriedades rurais e resultados (Emater).
12/5, em DivinópolisÀs 8h30, a equipe do Comitê promoverá uma análise da qualidade da água do Rio Itapecerica, afluente do Rio Pará, na Praça Candidés. Às 14h, será promovido o evento “Esse Rio é Meu: Encontro interinstitucional pelas águas de Divinópolis e Bacia do Rio Pará”
15/5, em Itaúna e Cláudio Às 9h, reunião com o SAEE local sobre esgotamento sanitário no município. Às 11h, o grupo segue para uma visita técnica a pontos do Rio São João. Na parte da tarde, a expedição chega ao município de Cláudio. Na programação, a partir das 14h, estão previstas apresentações do Projeto Sou Semente e do Programa de Educação Ambiental (PROGEA), pelo município, e do Programa de Conservação Ambiental e Produção de Água da Bacia do Rio Pará, do Comitê, que tem a microbacia do Ribeirão dos Custódios, em Cláudio, como uma das três beneficiadas em todo o território.
16/05, em Pitangui e Conceição do Pará Recepção conjunta no distrito de Velho da Taipa, na divisa dos dois municípios, às margens do Rio Pará, às 8h. Em parceria com as escolas da região, serão plantadas mudas em cada margem do rio. Na sequência, na Estação Cultural Velho da Taipa, haverá apresentações da Banda de Música de Pitangui e do Coral de Crianças do IEV (Instituto Esther Valério), além de uma roda de conversa com representante das prefeituras, CBH do Rio Pará,Instituto Estadual de Florestas (IEF)), Copasa (Programa Pró-Mananciais) e Sindicato Rural.
17/5, em Bom DespachoÀs 8h, na Praça da Matriz, haverá plantio de muda com placa alusiva à expedição, seguida de coletiva de imprensa. Às 9h, roda de conversa no Auditório da Câmara Municipal de Vereadores de Bom Despacho com a Comissão Gestora Local (CGL) da Bacia Hidrográfica do Rio Picão. A bacia é uma das duas no território do Rio Pará onde foi declarado conflito pelo uso da água.
18/05, em Martinho Campos As atividades começam às 14h, com foco especial na reserva indígena Kaxixó, com roda de conversas, manifestações culturais e apresentação de alunos da Escola Estadual Indígena Caxixó Taoca Sergia, além de visita ao rio. A partir das 18h, a programação é na Praça da Matriz, com a presentações da Banda Lira Santa Cecília, do ‘Poetas das Águas’, da Orquestra Abadiense de Viola Caipira, do grupo de capoeira ‘Afrominas’ e do “Talentos da Terra”, além de exibição de vídeos e feira com participação dos alunos do curso Agentes de Turismo Rural, do Senar.
19/5, em PompéuA expedição chega ao final na cidade onde o Rio Pará se encontra com o Velho Chico. Às 8h, na Escola Estadual Paulo Campos Guimarães, haverá recepção e homenagens do Executivo municipal, coletiva de imprensa e balanço da expedição. Às 10h, uma visita técnica à foz do Rio Pará, no encontro com o Velho Chico, será a última atividade do evento.