Portas abertas, em Minas, para um novo tempo na campanha de resgate de bens culturais, muitos deles desaparecidos, ao longo de décadas, de igrejas, capelas, museus, prédios públicos e outros monumentos. Na tarde de ontem, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) lançou, em Belo Horizonte, a campanha Boa Fé, para estimular a devolução voluntária de peças sacras, obras de arte e objetos históricos. À frente da iniciativa, cujo lema é “Ao patrimônio o que é do patrimônio”, estão o procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares Júnior, e o coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC/MPMG), Marcelo Azevedo Maffra. A campanha inclui uma cartilha, digital e física, contendo todas as informações, para ampla distribuição. Ao presidir o lançamento da campanha, Jarbas Soares Júnior disse que o objetivo é fugir de litígios. “O caminho não está nas sentenças nem nos acórdãos. Na verdade, a melhor solução se encontra na conciliação, na conscientização cívica, no entendimento.” Segundo Marcelo Maffra, objetivo é devolver os bens recuperados de forma voluntária aos locais de origem, dos quais foram desviados, para que sejam de “fruição coletiva”, ou de toda a comunidade. “Nos últimos 15 anos, desde a criação da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais, consolidamos o trabalho no combate ao tráfico de bens culturais. Essa, agora, é uma nova vertente”, afirma o coordenador da CPPC. O foco da Boa Fé está nas pessoas que têm em seu poder imagens e outros bens, recebidos em herança ou de outra maneira e desconhecem a procedência. “Esta campanha tem um viés resolutivo, negocial, de forma a evitar ajuizamento de ações ou busca a apreensão dos objetos. A finalidade está no diálogo para chegarmos à construção de soluções, conciliação, enfim, mais uma porta que se abre para o trabalho de resgate de bens culturais desaparecidos”, destaca Marcelo Maffra. O MPMG registra devoluções espontâneas, de forma anônima ou não, de documentos dos tempos coloniais, objetos de fé tricentenários e até peças de altares, a exemplo da “Cabeça de anjo de fita falante”, esculpida por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814). A peça foi doada ao Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Fazenda da Jaguara, e estava sob os cuidados da ex-diretora do Museu de Arte de São Paulo (Masp), Beatriz Camargo Pimenta. A entrega ocorreu em fevereiro de 2022. Presente à reunião na sede da Procuradoria-Geral de Justiça, o prefeito de Ouro Preto e presidente da Associação das Cidades Históricas, Angelo Oswaldo, disse que a campanha deve atingir todas as camadas da sociedade, “pois os bens culturais são de todos, e não de poucos”.
RESULTADOS Junto da recuperação de bens culturais desaparecidos, o MPMG espera, como resultados imediatos, um aumento na eficiência na atuação da instituição, principalmente com o incremento do número de objetos restituídos, redução no tempo das investigações e economia de recursos públicos. De acordo com a CPPC/MPMG, Minas Gerais tem o maior número de bens culturais formalmente protegidos no país, contudo, grande parte desse acervo foi indevidamente retirada de seus locais de origem em função de sua valorização no mercado de artes e antiguidades. “Em se tratando de bens culturais móveis, para além da conservação física, outra grande preocupação reside na manutenção desses bens nos respectivos locais de origem, onde representam os valores da comunidade e são usados como suporte para outras inúmeras práticas e manifestações culturais. Nesse contexto, seu desaparecimento priva a comunidade da fruição coletiva, ao afastá-los do seu contexto”, afirma Marcelo Maffra. O coordenador da CPPC ressalta que, embora diversos bens culturais tenham sido clandestinamente subtraídos e ilegalmente comercializados, há, por outro lado, situações em que os detentores adquiriram ou receberam os objetos sem conhecer sua origem ilícita. “Em outros casos, da mesma forma, obras de arte e antiguidade de procedência incerta são transmitidas por herança e, não raramente, permanecem por décadas em poder de detentores de boa-fé.” Nesses casos, acrescenta o coordenador da CPPC, é possível interpretar os negócios jurídicos conforme a boa-fé do detentor (artigo113 do Código Civil) ou considerar de boa-fé a posse quando o possuidor ignora o vício (artigo 1.201 do Código Civil). “Para tanto, é imprescindível que os detentores de bens de fruição coletiva, que, por qualquer motivo, tenham sido retirados do seu local de origem, ao tomar conhecimento de que o objeto integra o patrimônio cultural de Minas Gerais, manifestem a opção pela devolução espontânea.” A adesão à campanha Boa Fé será efetivada por meio de envio de correio eletrônico à Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC) –
[email protected] –, com o título “Campanha Boafé” e o envio de imagens, fotografias, vídeos ou documentos relativos ao bem cultural. E mais: se possível, informar as circunstâncias da aquisição ou recebimento (local e data aproximada); o local de origem do bem; e características e dimensões aproximadas do bem. Após o recebimento do correio eletrônico, a CPPC promoverá as diligências necessárias para averiguar as informações recebidas e a adequação aos termos da campanha. Nos casos em que, após análise técnica, for confirmado o local de origem do bem cultural de fruição coletiva, a CPPC adotará as providências necessárias para a devolução. Contudo, nos casos em que, esgotadas as diligências investigatórias, existirem indícios de que o bem cultural é de fruição coletiva, mas não for identificado o local de origem, a CPPC adotará as providências necessárias para verificar a necessidade do adequado acautelamento do bem. Cumpridos todos os requisitos da campanha, o participante receberá um certificado emitido pelo MPMG, como forma de reconhecimento pela adesão à campanha sendo, ainda, facultada ao participante a presença no evento de restituição do bem ao local de origem e a menção da sua adesão à campanha. Nos casos em que o detentor do bem cultural optar pela participação anônima na campanha, lhe será assegurado o direito ao sigilo dos dados.
APLICATIVO Uma ferramenta colaborativa tem se mostrado eficaz na preservação do patrimônio cultural de Minas Gerais. Trata-se do Sistema de Objetos Mineiros Desaparecidos e Recuperados (Somdar), um aplicativo desenvolvido por diversas instituições envolvidas no resgate de bens culturais desaparecidos no estado. O Somdar reúne, em uma única plataforma, todas as informações presentes nos bancos sobre os bens culturais desaparecidos em Minas Gerais, de modo a consolidar dados que antes eram restritos a cada órgão de fiscalização. O principal objetivo do Somdar é conferir ampla publicidade às informações e, consequentemente, trazer a população para participar ativamente da recuperação dos objetos desaparecidos. “A ideia é colocar a vigilância do patrimônio cultural na palma das mãos da comunidade, que poderá contribuir com os órgãos de fiscalização fornecendo informações sobre o paradeiro das peças desaparecidas”, ressalta Marcelo Maffra. Atualmente, no Somdar, constam mais de 2,5 mil materiais móveis mineiros cadastrados, os quais podem ser livremente consultados por qualquer pessoa resultando em ampliação significativa da participação popular no processo de vigilância e proteção do patrimônio cultural de Minas Gerais. O trabalho foi feito em parceria com o Iphan, o Iepha e o Cecor/UFMG.
DE MÃOS ABERTASConheça seis casos de doação espontânea de bens culturais registrados pela Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC), do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em Belo Horizonte.
1) Em junho de 2014, um colecionador encaminhou à sede da CPPC, em um caminhão, peças de metal que ficavam na torre de igreja da Fazenda da Jaguara, em Matozinhos, na Grande BH, bem tombado pelo Iepha: cruz e galo, fixados em uma haste de sustentação com sete metros de comprimento, e sfera armilar. Já em madeira, foram entregues dois óculos frontais da citada Igreja. 2) Devido à divulgação da devolução anterior, outro colecionador, em outubro de 2014, entregou à CPPC um conjunto de portas frontais, com duas bandeiras e duas partes superiores, e um conjunto de portas laterais também vinculadas à Igreja da Jaguara. Essas peças e as anteriores se encontram custodiadas na Superintendência de Museus e Artes Visuais da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult). 3) Em fevereiro de 2015, foi entregue à CPPC/MPMG uma imagem de Nossa Senhora do Rosário, do século 18, em madeira policromada. A peça, embrulhada em um jornal da década de 1980, estava bastante deteriorada. Por esse motivo, foi entregue para restauro ao Centro de Conservação e Restauração (Cecor), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), encontrando-se, atualmente, sob custódia no Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) até que o local de origem e procedência seja identificado. 4) Em maio de 2015, um mosaico em marchetaria pertencente ao Palacete Dantas, na Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul de BH, foi devolvido de forma espontânea ao MPMG. A peça foi entregue pela CPPC ao Iepha, órgão responsável pelo tombamento daquela edificação. 5) Em dezembro de 2015, a CPPC recebeu um turíbulo e dois missais de uma família residente em Belo Horizonte. Em julho de 2018, as peças foram entregues para custódia de uma paróquia no município de Passa Tempo, na Região Centro-Oeste de Minas, voltando a ter fruição coletiva. 6) Em fevereiro de 2022, O MPMG recebeu a “Cabeça de anjo de fita falante”, esculpida por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), considerado o expoente do Barroco mineiro. A peça foi doada ao Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Fazenda da Jaguara e estava sob os cuidados do Museu de Arte de São Paulo (Masp). FONTE: MPMG/DIVULGAÇÃO