Mariana – Dois monumentos importantes da primeira vila, cidade e diocese de Minas Gerais estão salvos da degradação após longo período fechados – ficaram mesmo ao deus-dará, na iminência de desabamento. Com reabertura prevista para agosto, a Igreja São Francisco de Assis e a Casa do Conde de Assumar, agora Museu de Mariana, ambas do século 18, foram totalmente restauradas e valorizam ainda mais o Centro Histórico de Mariana, na Região Central de Minas. Juntamente com a Casa de Câmara e Cadeia, as edificações formam um belo cartão-postal para orgulho dos moradores e entusiasmo dos visitantes. Se trouxe segurança e beleza, a restauração também ampliou horizontes. “Temos, agora, não só o patrimônio recuperado como uma vista maravilhosa da cidade, algo que ninguém nunca viu, pois o portão lateral de acesso à casa estava sempre fechado”, diz, com entusiasmo, a presidente do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Mariana (Compat), Ana Cristina Souza Maia. Com efeito, tanto do jardim criado no terreno coberto de mato como das janelas do novo museu, abre-se a paisagem com montanhas, o traçado das ruas dos tempos do Ciclo do Ouro e muitas casas coloniais. “Estamos felizes com essa dupla conquista, pela qual lutamos há muitos anos. Há cerca de cinco anos, precisamos usar dinheiro do fundo do Compat para escorar a casa. Se não fosse essa iniciativa, certamente teria caído”, afirma Ana Cristina. A igreja e a casa pertencem à Arquidiocese de Mariana, após transferência feita pela Irmandade Ordem Terceira de São Francisco de Assis, uma associação centenária. Nos últimos quatro anos, foram investidos, nas duas obras, R$ 17 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Instituto Cultural Vale e programa federal PAC das Cidades Históricas, cujos recursos partem do Iphan. O Centro Histórico de Mariana tem tombamento federal, sendo o templo protegido isoladamente pelo Iphan.
CERIMÔNIAS A satisfação é grande para o padre Geraldo Dias Buziani, titular da Paróquia Nossa Senhora da Assunção, à qual está vinculada a Igreja São Francisco de Assis. Ele já pensa nas cerimônias futuras, a exemplo da celebração de missas, incluindo horário específico para as crianças, e casamentos (aos sábados), e, para tanto, está em contato com a Ordem Terceira Franciscana, em Mariana, fundada em 1758, e o Conselho Comunitário Pastoral. “Estamos em fase de ajustamento do calendário, mas tudo vai depender da data e dos acordos entre Iphan, paróquia, prefeitura local, Arquidiocese de Mariana e governo federal.” Padre Geraldo Buziani ressalta a importância da restauração da igreja para a comunidade – “uma joia do rococó a serviço da espiritualidade e da força da arte e da cultura”, observa –, construída entre 1763 e 1794. No local, está sepultado Manuel da Costa Ataíde (1762-1830), o Mestre Ataíde, autor da pintura do forro da sacristia mostrando a agonia e morte de São Francisco de Assis. “Muitos artistas trabalharam aqui, entre eles o escultor português Francisco Vieira Servas, José Pereira Arouca, encarregado das obras de alvenaria, e Francisco Xavier Carneiro, dos douramentos de alguns altares.” Na fase final dos trabalhos na igreja, à espera das imagens que serão higienizadas para retorno aos altares, o técnico em restauração Edson Júnior Luciano, de 37 anos, natural do distrito de Cachoeira do Campo, em Ouro Preto, sorri ao falar da reabertura da igreja, que enriquece o patrimônio cultural e traz as pessoas de volta às missas e às demais cerimônias religiosas. Ao lado, a colega Ana Paula Gonçalves dos Reis, de 34, conta uma fase do trabalho. “Havia muita repintura nas peças. A remoção das camadas de tinta exige muita atenção, mas a descoberta da pintura original compensa todo o esforço”.
AO FUTURO Foram muitos anos de expectativa, dúvidas, temores e polêmicas. Por duas vezes, o templo dedicado ao protetor da natureza sofreu interdição, conforme documentou o Estado de Minas. Em março de 2009, por determinação da Justiça, as portas foram lacradas, com proibição de atividades religiosas e visitação pública, até que fossem executadas obras para garantir a estabilidade da estrutura e a segurança dos visitantes. Na época, o pedido de interdição partiu do Ministério Público estadual, por solicitação do escritório regional do Iphan. A segunda interdição ocorreu três anos depois, e, desde então, a igreja está fechada. Em maio de 2012, a Prefeitura de Mariana fechou o templo com base em laudo do Iphan, que apontou problemas na cobertura e estrutura do prédio. “A igreja estava com uma trinca enorme, o que colocava em risco o monumento”, destaca a engenheira e arquiteta Anna de Grammont, da Prefeitura de Mariana e gestora do PAC das Cidades Históricas na cidade. Já a Casa do Conde Assumar, que vai sediar o Museu de Mariana, estava em completa degradação. “Por estar em situação precária, precisou ser escorada”, informa Anna de Grammont. Aquela velha história de “quem te viu, quem te viu” se aplica perfeitamente às duas edificações. Por diversas vezes, a equipe do EM mostrou o quase arruinamento da Casa do Conde de Assumar, de frente para a Rua João Pinheiro – de tão frágil e apresentando riscos, tinha portas e janelas constantemente fechadas. Conforme explica a diretora do Instituto Cultural Aurum, Edinéia Araújo, o espaço ganhou vida nova com as obras, e, embora vazio, transborda esperança. “O Museu de Mariana é um equipamento cultural para movimentar a cidade, mostrar acervos e valorizar as manifestações tradicionais dos distritos, a exemplo do Zé Pereira da Chácara (grupo de bonecos gigantes, com origem em 1846). Queremos formar público”, adianta Edinéia. A gestão do museu está a cargo do Instituto Cultural Aurum. Mesmo não estando inaugurado, o Museu de Mariana já recebe importantes doações, entre elas o quadro “Execução de Felipe dos Santos”, de autoria de Francisco de Paula Astoni (1908-1964). “Este é um presente da nossa família para o museu. O quadro retrata um momento decisivo para a história do Brasil e a criação do Estado de Minas Gerais”, diz o advogado Zaqueu Astoni, especialista em patrimônio pela Unesco e chefe de gabinete da Prefeitura de Ouro Preto. Pintor, escultor e músico mineiro, Francisco de Paula Astoni nasceu em Dores do Turvo, na Zona da Mata, e se notabilizou por fazer pinturas, afrescos e esculturas em igrejas, tendo participado de dezenas de reformas e construções de templos, como a Catedral de Juiz de Fora, onde atuou como pintor.
INVESTIMENTOS Segundo Anna de Grammont, os investimentos na recuperação da Igreja São Francisco de Assis começaram em 2014, com os projetos de obra civil (hidráulica, elétrica e prevenção de incêndios) e elementos artísticos custeados pela Prefeitura de Mariana e Iphan, no PAC das Cidades Históricas. Depois, em 2019, vieram as obras, tendo como proponente o Instituto Pedra e recursos do BNDES e do Instituto Cultural Vale. Já a Casa do Conde Assumar, agora Museu de Mariana, na área de tombamento federal, teve projetos elaborados com recursos da prefeitura local e plano museográfico a cargo do PAC Cidades Históricas. A exemplo da Igreja São Francisco de Assis, o proponente é o Instituto Pedra e os recursos partiram do BNDES e do Instituto Cultural Vale.
ARTE E HISTÓRIA Em 5 de julho de 1761, a Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência decidiu edificar sua igreja e recebeu autorização do bispo diocesano dom Frei Manuel da Cruz. Inicialmente, a escolha foi pelo projeto do padre José Lopes Ferreira da Rocha e execução do arquiteto José Pereira dos Santos. Mas outro foi proposto pelo arquiteto José Pereira Arouca, que arrematou a “obra de pedra e cal da igreja”. Dois anos depois, em 15 de agosto, a pedra fundamental foi lançada. Ao lado de Arouca, também enterrado na igreja, trabalharam o marceneiro Manuel Duarte de Oliveira, o carpinteiro Manuel da Silva Benevente e o entalhador Luiz Pinheiro.
(*) Os jornalistas viajaram a convite do Instituto Cultural Vale
FÉ E CULTURA
Localizadas lado a lado, no Centro Histórico de Mariana, a Igreja São Francisco de Assis e a Casa do Conde de Assumar são do século 18 e pertencem à Arquidiocese de Mariana
1) Igreja São Francisco de Assis
» Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Os primeiros registros datam de 1761, sendo a pedra fundamental lançada dois anos depois.
» Fechada há 11 anos, sofreu interdição anterior (2009).
» Os serviços contemplaram obra civil (hidráulica, elétrica e prevenção de incêndios) e restauração dos elementos artísticos.
2) Casa do Conde de Assumar – Museu de Mariana
» O imóvel do século 18 fica em área tombada pelo Iphan.
» O nome se refere a Pedro de Almeida e Portugal (1688-1756), o Conde de Assumar, que foi governador da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, quando formavam uma capitania só.
» A situação do imóvel era precária e ele foi escorado, há cinco anos, para evitar o desabamento.