Série de reportagens do g1 e do Jornal Nacional aborda impactos do uso dos aparelhos por estudantes, e como a tecnologia desafia pais, professores e gestores públicos. Aula online, celular, covid, crianças, estudantes, escola DF
TV Globo / Reprodução
O uso em excesso e sem mediação do celular por crianças e adolescentes esteve no centro do debate entre alunos, pais, educadores e parlamentares nos municípios, nos estados e em Brasília.
De acordo com levantamento da TV Globo e do g1, pelo menos 17 estados do país já tinham restringido, por regras próprias, a utilização do aparelho em salas de aula — antes mesmo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionar a lei que limita o uso do aparelho nas escolas, em 15 de janeiro deste ano.
Lula sanciona na próxima segunda projeto que limita celular em escolas; texto não deve ter vetos
Especialistas alertam para a diminuição da concentração e da interação social e até para o aumento da violência entre os estudantes (leia mais abaixo). Eles consideram, no entanto, que a tecnologia pode e deve estar presente no ambiente escolar.
Mas, para isso, são unânimes: é preciso mediação. Os professores necessitam de treinamento. E o gestor público deve investir em conteúdos digitais apropriados e alinhados às disciplinas tradicionais.
Nesta semana, o Jornal Nacional e o g1 publicam uma série de reportagens sobre o assunto.
Para construir as reportagens, a TV Globo e o g1 ouviram crianças, professores, pais e especialistas. Veja abaixo os questionamentos feitos:
Celulares em sala de aula: distração ou recurso tecnológico?
É possível usá-lo como ferramenta pedagógica?
Proibir tem resultado?
Numa escola de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental em Ceilândia, no Distrito Federal, as crianças têm entre 4 e 12 anos e não escondem o quanto gostam do celular.
O João Pedro Machado, de 6 anos, usa o aparelho da avó e gosta de procurar as novidades sobre os brinquedos favoritos. Kristofer Galeno, 11 anos, por sua vez, usa para fazer vídeos para um canal no Youtube.
Já a Maria Cecília Abreu, 8 anos, assiste vídeos de finalização de cabelo e de coreografia com as amigas, enquanto o Mateus Andrade, 11 anos, usa para jogar, aprender inglês, conversar e pesquisar.
Celulares em sala de aula: distração ou recurso tecnológico?
Embora seja popular entre as crianças e adolescentes, muitas vezes o aparelho é motivo de preocupação por parte de professores.
A professora de física Maíra Abade, da escola Setor Leste, em Brasília, conta que tem dificuldade para seguir o planejamento de aula.
"A gente tem que estar o tempo inteiro pedindo para guardar. Eu acho que é uma disputa bem desleal da gente com um aplicativo".
Já a professora de língua portuguesa Amanda Barreto, que trabalha na mesma escola, diz que o desafio é diário e já tem afetado a aprendizagem. Ela percebeu que os alunos estão deixando de lado o hábito de ler texto mais longos e de escrever.
"Isso tem gerado problemas quanto ao relacionamento com o aluno e tudo porque atrapalha na concentração. O aluno não consegue focar e consequentemente acaba que ele não tem êxito no processo de ensino e aprendizagem".
A estudante do ensino médio Laís Maíra Santos, 18 anos, admite que não consegue ficar longe do celular.
"Eu fico muito em rede social. Instagram, TikTok, Netflix também. Ouço muita música. O celular é um amigo. Está sempre comigo ali. Não ando sem."
O professor de matemática do Ensino Médio Henrique Joca considera necessário estabelecer limites para o uso do celular pelas crianças e pelos adolescentes. E defende que, com mediação e orientação pedagógica, é possível inclusive usar o aparelho como um aliado em sala de aula.
"Eu vou ter quase nada de aluno reprovado. O aluno que tiver reprovado comigo, ele vai estar reprovado por falta. Fazendo [as avaliações] com a pesquisa, ele pega uma nota bem maior do que aquela que ele fosse fazer fisicamente".
É sancionada a lei que proíbe o uso de celular dentro das escolas
É possível usá-lo como ferramenta pedagógica?
O texto aprovado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) restringe o uso de celulares nas escolas públicas e privadas do país — durante aulas, recreios, intervalos e atividades extracurriculares — mas permite a utilização para fins pedagógicos ou didáticos, conforme orientação dos docentes.
Os professores, no entanto, ainda têm dúvidas sobre como podem usar o dispositivo em sala de aula.
????Segundo especialistas ouvidos pelo g1, o uso pedagógico é o uso intencional de uma ferramenta ou dispositivo, com a finalidade de auxiliar no processo de aprendizagem do aluno.
A diretora executiva do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Beatriz Cortese, afirma os professores precisam ser treinados para explorar o celular, as ferramentas nele disponíveis, como internet, redes sociais e aplicativos.
"Cabe ao MEC induzir essas políticas para discutir o que é o uso pedagógico. Mas cada escola, cada secretaria, cada rede de ensino também pode procurar os seus próprios caminhos para entender e discutir esse uso pedagógico", afirma a diretora.
Proibir tem resultado?
Prestes a completar um ano da restrição ao uso do celular nas escolas, a secretaria municipal de Educação do Rio de Janeiro diz que os resultados já começaram a aparecer: na escola e em casa.
"Não é só uma percepção dos professores e dos diretores, é através dos resultados que nós temos na nossa avaliação bimestral. Sem contar também que os incidentes de bullying, cyberbullying, diminuíram bastante depois da proibição do uso de celulares adotada na Cidade do Rio", explica o secretário municipal de Educação, Renan Ferreirinha.
Em casa, os pais relatam mudanças no comportamento dos filhos. O pedreiro Luiz Felipe Pedro, pai do Davi, conta que o celular atrapalhava muito o filho no colégio e nas obrigações domésticas. "Ele mudou em tudo. Se interessou por esporte, sempre olhando nos livros, provas, essas coisas. Senti, assim, aquela mudança radical."
Em uma escola na Candangolândia, região administrativa do Distrito Federal, que também proibiu o uso do celular antes da lei entrar em vigor, a diretora Ana Paula de Souza percebeu mudanças no ambiente da escola e no seu entorno. Ela conta que o aparelho era usado para marcar brigas entre os alunos.
"Após a proibição do celular, tivemos que chamar [o batalhão escolar da Polícia Militar] uma ou duas vezes, no máximo, em quase o ano inteiro. Quando a gente chamava de duas a três vezes por semana para poder conseguir fazer essa saída dos estudantes com segurança", compara.