Relatório do Unicef mostra que 713 mil meninas no país vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro dentro da própria casa. Imagina sangrar por dias seguidos todos os meses do ano e não ter acesso à água encanada nem a banheiro dentro de casa. Assim vivem 713 mil meninas no Brasil, segundo relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) publicado neste 28 de maio, Dia Internacional da Dignidade Menstrual.
O documento intitulado “A Pobreza Menstrual Vivenciada Pelas Meninas Brasileiras" do Unicef também aponta que:
mais de 4 milhões de meninas não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas brasileiras
6,5 milhões de meninas vivem em casas sem ligação à rede de esgoto
quase 200 mil alunas estão totalmente privadas de condições mínimas para cuidar da sua menstruação na escola, como acesso a água e sabonete, absorvente e banheiro
900 mil meninas não têm acesso a água canalizada em seus domicílios
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O relatório também mostra que a vulnerabilidade menstrual aumenta conforme a desigualdade racial, social e de renda no Brasil. Sem acesso a itens de higiene menstrual de forma gratuita, famílias vulneráveis e com renda menor tendem a dedicar uma fração menor de seu orçamento para absorventes e demais itens, uma vez que a prioridade é se alimentar.
Com um ciclo menstrual com duração de cinco dias a uma semana, uma menina pode gastar de R$10 a R$15 por mês apenas com absorventes.
Quanto ao recorte racial, os dados mostram que meninas negras têm três vezes mais chances de viverem sem acesso a banheiro do que meninas brancas no país. Além disso, enquanto cerca de 24% das meninas brancas vivem em locais sem esgoto, o número salta para 37% quando são consideradas as meninas negras.
A pesquisa, conduzida pela pesquisadora Carolina Costa Moraes, avaliou dados de 15,5 milhões de meninas brasileiras sobre o acesso à água, saneamento e higiene, itens, segundo o documento, fundamentais para garantir os direitos durante o período menstrual.
Evasão escolar
A representante do Unicef no Brasil, Florence Bauer, explica que a pobreza menstrual vai além de um problema de saúde pública, também é de ordem social, pois tem impacto direto na autoestima e na sociabilização dessas meninas, podendo resultar na evasão escolar.
“Muitas meninas ainda sofrem com estigmas relacionados à menstruação, o que tem grande impacto em sua autoestima para toda a vida. Além disso, traz consequências para a socialização com sua família e seus pares, muitas vezes refletindo, inclusive, na vida escolar, especialmente entre adolescentes, levando até ao abandono dos estudos", diz Bauer.
O Levantamento Nacional Inédito, coordenado pela antropóloga Mirian Goldenberg, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mostrou que uma em cada quatro jovens já faltou a aula por não poder comprar o absorvente.
"Elas têm vergonha, tentam esconder. A falta de absorvente provoca uma sensação de insegurança. É algo que elas sofrem sozinhas, como se fosse um fracasso, uma vergonha, isso é o que mais me chocou", contou Goldenber em entrevista ao Fantástico de 2 de maio.
Bauer acrescenta que a falta de acesso a informação correta sobre o próprio corpo e o processo menstrual também é considerada pobreza menstrual.
"Por isso, é essencial que tenham acesso a informações corretas sobre o tema, além de condições dignas de higiene, e que a discussão seja feita abertamente na sociedade para impulsionar melhorias", afirma Bauer.
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Violação de direitos humanos
A representante do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Astrid Bant, explica que a falta de condições sanitárias mínimas para que meninas e mulheres possam gerir sua menstruação de maneira digna é um tipo de violação de direitos humanos.
"Quando não permitimos que uma menina possa passar por este período de forma adequada, estamos violando sua dignidade", diz a representante da UNFPA.
Bant defende a distribuição gratuita de absorventes como uma das formas de se garantir o direito à saúde menstrual.
"É urgente discutir meios de garantir a saúde menstrual, com a construção de políticas públicas eficazes, com a distribuição gratuita de absorventes, com uma educação abrangente para que as meninas também conheçam seu corpo e o que acontece com ele durante o ciclo menstrual. É o básico a ser feito para que ninguém fique para trás”, afirma.